Há muitas coisas que as pessoas parecem fazer naturalmente e que a mim me deixam perplexa. Have I done all the living I’m going to do? A spectator now, calming down. Going to bed with The New York Times. Yet I thank God for this relative peace–resignation. Meanwhile the terror underneath grows, consolidates itself. How does one love? - uma citação de Susan Sontag que copiei para a minha agenda. Não posso dizer que saiba a resposta. Não sei muitas coisas, em dissonância com estes tempos modernos onde toda a gente sabe tudo logo imediatamente, resolvem qualquer problema nacional ou mundial à hora de almoço. Tem-se tornado muito cansativo nos últimos tempos.
Acho que não domino a arte do conhecimento casual - pesquisar algo, aprender e seguir em frente com apaziguamento. Passar um ano a ler apenas livros de autoras é um desafio normal, passar os anos seguintes a fazer isso provavelmente não, saber sobre as eras do planeta não exige ir até ao começo do universo, para recomendar um livro ou um canal não é preciso escrever um texto tão longo que nem alguém do século dezassete teria paciência para ler e que leva semanas a pesquisar...Mas este post não vai ficar grande de certeza!
E não vamos voltar a falar de arte, excepto para dizer que acabei de encontrar publicado por cá um livro chamado A História da Arte Sem Homens, um trabalho de divulgação de mulheres artistas, com mais de quinhentas páginas e ilustrado. Quero muito, mas são trinta e cinco euros e ainda nem tenho o livro da Patrícia Reis sobre a Maria Teresa Horta - esta é uma compra que vai acontecer mais cedo ou mais tarde. Ah sim, também queria o Studio Ghibli: The Complete Works, que já vi que existe numa Fnac, só custa quarenta euros. Devia tentar comprar via interwebs. Ou convencer alguém a fazer isso.
Estou agora a fazer uma lista de filmes antigos que gostaria de ver - tive esta ideia depois do livro (lista) dos 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer me ter sido trazido à atenção pela suspeita do costume. Na verdade, a ideia inicial era apenas abrir a agenda e tomar nota de alguns títulos de terror clássico que me interessavam dessa compilação. Rápido e fácil só que não pois como dito ainda não aprendi que nem tudo tem de ser um empreendimento especialmente quando são três da manhã. É por isso que este blog voltou a ser votado ao esquecimento: falta da vontade perante o estado actual e outras coisas que se meteram no meio. Se alguém tiver sugestões sinta-se livre para partilhar, tenho encontrado algumas interessantes em comentários e em páginas de Reddit - têm de ser filmes mudos ou até 1939.
Este também não será o assunto mais entusiasmante, estou ciente. Há quem ache que estes filmes são difíceis de ver, não sei bem porque seriam, considerando que a história é providenciada por escrito? Quando uma pessoa começa a pesquisar sabe lá o que vai encontrar, buracos de coelho uns atrás dos outros - o filme mais antigo na lista, tirando aquilo que está numa mini lista de curtas que estou a fazer em paralelo, é uma adaptação do Inferno de Dante feita em 1911...Tenho alguns títulos italianos, uma boa porção de alemães, aqui sem surpresa creio e a dada altura passa quase tudo a ser americano, embora tenha tentado inserir alguma diversidade. As coisas mudaram muito neste curto espaço de trinta anos...
Algo que descobri, agora pensando nisso talvez seja conhecimento geral - acho que mais depressa ia ao Preço Certo tentar ganhar um grelhador do que ia a um concurso de cultura geral, costumava pensar o contrário mas chega-se a uma idade em que se começa a desejar equipamentos para o lar e é quando percebemos que o nosso fim está mais próximo - mas Hollywood teve durante décadas um sistema de auto-censura que limitava aquilo de que os filmes podiam falar e o que podia ser mostrado. Aparecia no início do filme um texto a dizer que este tinha sido aprovado e isso podia implicar cenas terem de ser reescritas ou completamente cortadas.
Mas antes de 1934 ninguém se importava muito e em especial os títulos feitos mais ou menos entre 30 e o meio de 34, devem ter sido efeitos da depressão, ficaram conhecidos pela sua tendência para a marotice, entre outras coisas - depois de passar algum tempo a ler sinopses e reviews parece-me que cortando todas essas coisas de alguns filmes devia sobrar talvez uma meia hora de película.
Isto irritou certos grupos religiosos [católicos] que temendo que mais um par de pernas à mostra fosse mandar a nação inteira para a danação eterna, começaram a fazer pressão para que se apertasse o controlo - de modo a criar um entretimento correcto que elevasse a moral dos cidadãos, celebrando os valores da casa e do matrimónio e afastando-os de perversões.
(Não é assim que atendo o telefone e gostava que fosse. Dorothy Mackaill, Safe in Hell - 1931)
Demasiada pele à mostra, linguagem considerada profana ou coisas consideradas demasiado violentas ou sexuais, mas a lista é bem específica incluindo o ângulo pelo qual o assunto devia ser abordado, o documento tem mais de dez páginas. A julgar pelos artigos sobre o assunto que encontrei as regras para os beijos são um favorito, nem podiam ser muitos nem prolongados, também não se podia beijar bandidos, acho eu...Imagine-se a personagem fazer isso enquanto está vestida com uma transparência, num local inapropriado (que é como quem diz, o quarto). Que combo. Isto também se aplicava ao amor puro, bem entendido.
"Excessive and lustful kissing, lustful embraces, suggestive postures and gestures, are not to be shown (...) In general passion should so be treated that these scenes do not stimulate the lower and baser element" - não sei quanto a vocês, mas para mim só filmes que me façam ter vontade de começar a foder ali mesmo dentro da sala de cinema. Ámen.
(Thou Shalt Not, fotografia de A.L. “Whitey” Schafer - 1940)
Mas foi só quando vi a pergunta no Joker sobre a primeira guionista portuguesa (Virgínia de Castro e Almeida) é que me lembrei que não tenho filmes nacionais na lista até agora - alguma coisa que deva adicionar? O que se encontra parece-me tudo...Não muito interessante. Curiosamente, nunca derivei grande prazer em fazer listas literárias. Há pouco tempo estava com Leitora Júnior a responder a um quiz para saber que personagem masculino dos livros da Austen seria o nosso par e senti um certo embaraço, algo mais para me lembrar que os seis romances continuam por ler, quer dizer dois mas a intenção era ler tudo por ordem.
Estava a ler o Sensibilidade e Bom Senso - em retrospectiva já existiam sinais que um grande reading slump se aproximava mas também não estava a gostar assim tanto do livro. Parei a meio, na parte em que entra uma moça, Lucy talvez, que é suposto casar com o tipo de quem uma das protagonistas gosta e há uma cena em que eles se encontram os três numa sala, sinceramente acho que ele não vale o esforço, mas é muito possível que eu leia agora os livros e ache todos os personagens masculinos irritantes, nesta idade que homem não é irritante? É só uma piada.
- Há uns tempos vi nas notícias uma peça sobre uma casa muito cara em Cascais - "Mansão mais cara do País inspirou a casa de Ronaldo - está à venda por 32 milhões". Podem clicar para ver as fotos deste humble abode...Enquanto desesperam por encontrar uma gaiola para alugar cuja renda seja menos de mil euros por mês - e este post está a ser escrito a partir do subúrbio. Bem, não quer dizer que não possam sonhar. Ou penitenciarem-se porque se tivessem começado um negócio na garagem a esta hora estavam ricos, todos sabemos que é assim mesmo que acontece. Há sempre uma certa sujeira que se agarra à pele quando vemos estas coisas, ninguém precisa de piscina interior e de seis casas de banho na sua vida e certamente não no corrente estado de coisas...
Incongruentemente, alguns minutos depois posso ter pesquisado mansões antigas onde gostava de viver. A arquitectura moderna não me entusiasmou e sem desprimor para Cascais, se eu tivesse estas mocas todas mais depressa comprava uma mansão com escadarias que rangem, uma comprida sala de jantar e retratos na parede de gente morta há muito tempo, uma acolhedora biblioteca, onde poderia ou não aparecer um cadáver mas isso são as contingências do lugar, a propriedade à volta com árvores, laguinhos, um caramanchão, nunca ouvi esta palavra fora dos livros, e ficaria ali em quietude.
- A primeira coisa boa do Halloween é o frio ou melhor dito quando chegamos a Novembro a minha expectativa é que o calor de Verão já se tenha realmente ido embora - algo que ainda não tinha acontecido da primeira vez que pensei neste post, estava tanto calor depois ficou frio, fui a correr meter uma manta na cama e arrependi-me 24 horas depois porque voltou a ficar calor, mas agora já tenho a cama preparada, dois pares de meias calçados neste preciso momento e duas camisolas. Sinto-me um pouco menos morta por dentro.
- A segunda é que algumas pessoas se irritam deveras com esta data, embora a possam perfeitamente ignorar, porque estamos a importar tradições em vez de seguirmos as nossas. Ainda não vi nenhum post desses [oops, já vi], mas talvez seja mais devido ao estado não-vivo da blogosfera...Eu cá acho que é a mesma coisa. Seja de manhã ou à noite, nunca ninguém questiona mandar as crianças pedir comida a estranhos. Tecnicamente é aos vizinhos mas como é que uma pessoa pode ter a certeza que a tia Mildred em vez de se ter mudado não está numa cave do bairro cortada em postas - talvez ela esteja sentada a colocar agulhas dentro dos doces. Também é por isto que não quero filhos. No dia em que não encontrar mais textos irados sobre este assunto isso será:
(Este gif nunca envelhece)
- As reacções à escolha do Nobel da Literatura são sempre mais interessantes que a própria escolha em si. Há quem coloque logo o nome em questão na sua lista de leituras futuras e quem faça o contrário porque se ganhou então a sua escrita não deve estar no domínio do leitor comum. E há sempre alguém que fica muito satisfeito quando ganha um autor mais mainstream, por oposição às vezes em que o comité vai sacar escritores (ou pior: poetas) a uma gruta remota - foda-se os snobs! Quem disse que Colleen Hoover não pode ganhar um Nobel? isto claro se vocês acreditarem que os livros são mesmo escritos por uma pessoa e não por AI. Nunca tenho muito para dizer sobre este assunto, na verdade só li vinte prémios Nobel - agora vinte e um! Não gostei de A Vegetariana.
- E a terceira coisa boa são as listas especialmente em comparação com o período anterior - agradeço o esforço de compilar listas de livros para lermos na praia, mas eu sequer vou à praia e indo pouco acabo por ler, não gosto muito de ler no exterior...Não gosto muito do exterior em geral. Forneçam-me sugestões de títulos para ler na cama, tapada com cobertores, enquanto o vento sopra lá fora. Isto fez-me lembrar da pequena lista que fiz há uns anos com treze títulos e short-stories para ler em dias escuros...Para dias de sol seria mais difícil de fazer ou para o Natal. Presumo que listas literárias para o Natal também existam, mas não creio que sejam livros muito do meu agrado. Mais do que leituras, a época remete-me para aqueles filmes muito lamechas que acabam sempre bem, com a protagonista a encontrar o amor debaixo do azevinho - claro que há gente que gosta e chora e tudo, gente com bom coração. Mas eu se tivesse que ver coisas deste género acho que acabaria a partir a TV. E ao corrigir o texto apercebi-me que escrevi vizinho em vez de azevinho...
Estava a passar os olhos pelos rascunhos e pela lista de ideias quando dei com um rascunho contendo letras de fados - parece completamente aleatório visto que não é algo que costume ouvir ou sobre o qual tenha muitos conhecimentos. Mas como em certos trajectos de automóvel tenho que levar com a Rádio Amália, para me entreter comecei a prestar atenção às letras e a tomar nota de alguns trechos que achei curiosos. Não são muitos, pouco tempo depois já tinha esquecido disto.
Temos por exemplo: "Tenho a janela do peito aberta para o passado"- achei tão visual, ter no peito algo com fecho e dobradiças que aberto expõem os nossos preciosos interiores ao mundo. Mas claro que o objectivo nunca poderia ser abrir a janela para deixar as dores saírem ou pelo menos para deixar entrar algum ar fresco - Carminha a lavar a janela, "alguidarzinho ajoujado de espuma cremosa, um alguidar maior de pura água macia. Novelo de saias entre pernas (...) premeditando a transparência lisíssima que consegue iluminar as casas em escombros, ali mesmo do outro lado da rua"- é uma cena de O Dia dos Prodígios de que me lembrei agora - pelo contrário, abre-se a janela para olhar para esse eldorado que é o tempo em que éramos felizes e sem preocupações, tempo esse que já não volta mais e agora aqui estamos neste parapeito a prantear saudades e desilusões...
Não sabia o que usar para ilustrar este post então fui buscar esta foto aos meus arquivos. Uma pessoa podia considerar acordar todos os dias da sua existência com esta vista, mas para isso teríamos de renunciar ao gramofone e ao elevador da cozinha e acabar a beber vinho por copos de vidro espesso - é difícil abdicar dos progressos deste mundo.
O pessoal da Eurovisão acha que só enviamos canções para desfalecer - inocentes não sabem nada, aqui está mais um pedaço de lírica:"não ando no escuro tenho a luz da amargura" [a iluminar o meu passado]", mais uma vez uma imagem que geralmente tem uma conotação positiva aparece distorcida. Abrir uma janela devia ser algo agradável mas torna-se um exercício doloroso de auto comiseração. Ter algo para iluminar o caminho é bom, mas afinal o que ilumina é o sofrimento. É quase um paradoxo. Pode-se dizer que o sujeito do poema não anda realmente no escuro ou não será que está a fundar-se ainda mais na escuridão se aquilo que o motiva em frente é um sentimento tóxico por resolver?
Foda-se, alguém está mesmo a sentir falta de aulas de português. Nerd. Quando abri o rascunho quase saltei por causa deste verso - "em becos encontro almas". Assim de repente não sei o que será pior se encontrar num beco almas penadas ou o zé naifas. Devo ter escrito mal ou tive uma alucinação sobre rodas porque não encontro fado onde este verso apareça. Fica aqui de qualquer modo como ominosa referência.
Mas vejo agora que não faltam referências a becos nestes poemas, dos becos literais aos metafóricos, representando variados estados de espírito e viragens de luz como num Rembrandt - há os becos do desprezo e os becos do peito, os escuros e sombrios e becos em cujas janelas se colocam colchas amarelas que brilham sobre a cidade. Pensem nisto da próxima vez que virem um beco e penitenciem-se pela vossa indiferença.
O fado tem coisas interessantes para nos ensinar sobre o amor: "quando alguém gosta de alguém é de nós que não gostamos" - penso que isto quer dizer que vamos sofrer. Mas também há belas metáforas por exemplo envolvendo condimentos: "os olhos do meu amor são grãozinhos de pimenta". Talvez seja literal e queira apenas dizer que os olhos da pessoas são de cor escura...Ou talvez queira dizer que são ladinos dado as picadelas que provoca a pimenta. Ou quer dizer que vamos sofrer. Como quando metade do conteúdo do pimenteiro cai no cozinhado. Uma tragédia recente. Eu teria cuidado porque a música portuguesa já nos alertou para o significado das cores dos globos oculares e olhos pretos são queixume. Os meus são castanhos por isso podem confiar naquilo que digo. "Ando atrás de ti como o sol anda da lua"- outras vezes é preciso sair do espaço confinado da cozinha e alargar horizontes. Felizmente o amor não carece de exactidão científica.
O meu pedaço de lírica favorito dos que vieram até mim pelas ondas do éter é este - "Fingiste que a culpa era toda minha; Disseste que eu tinha a vida estragada; E eu gritei-te da escada que fosses morrer sozinha". A coisa toda é meio engraçada meio perturbante e eu tenho um fraco por letras que contam uma história...Fez-me lembrar aquela canção antiga: um tipo precisa de dinheiro para comprar um anel para pedir a namorada Laura em casamento, decide entrar numa corrida de carros, tem um acidente e falece. Amor, esperança e dor em económicos três minutos. Um aparte: para encontrar esta música comecei a pesquisar "song about guy w..." - o primeiro resultado foi "song about guy who killed his mom" e o terceiro "song about guy who killed his girlfriend". Ainda falam mal das músicas da Taylor.
E uma menção honrosa vai para um fado que encontrei não através da rádio mas quando estava a pesquisar para este post e que me deixou galvanizada com o seu dramatismo: um homem segue a mulher amada até à igreja pensando que ela vai lá falar com Deus, vê-a entrar por uma porta e quando encosta o ouvido eis que -"Palavras de carinho e de prazer, de ti da tua voz se desprendeu, tu tinhas ido ali para vender, o corpo que eu pensava que era meu". E pronto, lá vai o pobre coitado a chorar de rastos. Já não bastava o outro na igreja a ver a amada a casar...Não há limites para a inconsistência e a perfídia das mulheres. Assim envergonhada termino este post.
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