Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Desabafos Agridoces

"Enfim, bonito e estranho, desconfio que bonito porque estranho"

Desabafos Agridoces

"Enfim, bonito e estranho, desconfio que bonito porque estranho"

A humilhação literária

vinte títulos populares que nunca li

tumblr_pfi4ajKLbp1rwkrdbo1_500.jpg

(Ilustração de Tom Gauld, tirada daqui)

 

Outro dia estava neste site de listas que permite marcar os livros que já lemos e comecei a ver que na primeira página várias destas listas tinham a palavra humilhação no título. Ao clicar nelas percebi que o pessoal andava a compilar livros que toda a gente já leu menos eles e iam desde clássicos a best sellers recentes. Não é um conceito novo, embora o uso da palavra humilhação me pareça excessivo. Sobre penitências a que os leitores se sujeitam escreverei noutra altura. Inevitavelmente também comecei a compilar a minha própria lista de títulos nunca lidos acabando por subverter o conceito já que na verdade não tenho quaisquer planos para ler alguns destes, mas foram os primeiros que me vieram à cabeça -  tinham que ser coisas bem populares:

 

1. As Crónicas de Nárnia

Só li o primeiro, tenho um marcador que o prova porque na verdade não me lembro de nada

 

2. Harry PotterAs Brumas de Avalon

Há comboios que partem e não vale a pena correr para os tentar apanhar...

 

3. Outlander; Os Pilares da Terra

Estou vagamente consciente que estes livros\séries foram adaptados para televisão porque andava toda a gente a falar disso...O primeiro não envolve viagens no tempo?

 

4. As Crónicas de Gelo e Fogo

 

Eca nojo GIF - Encontrar em GIFER

 

(nunca perco uma oportunidade, eu sei...)

 

5.  O Senhor dos Anéis

Não sei nada sobre isto, nem livros nem filmes. Já vi algumas pessoas dizerem que é um bocado aborrecido...

 

6. The Hitchhiker's Guide to the Galaxy

Será que algum dia vou descobrir o sentido da vida?

 

[Pode parecer que odeio fantasia. Um dos grandes problemas é a tendência destas histórias, incluindo as de ficção-científica, de se espraiarem por cinco, dez, vinte volumes...Admiro quem está disponível para esse compromisso que pode durar longos anos, mas eu não sou capaz. Assim como sou incapaz de seguir séries de TV e prefiro filmes]

 

7. Cem Anos de Solidão

 

8. Qualquer obra de Júlio Verne

 

9. Admirável Mundo Novo

 

[Em alguns casos é uma questão de oportunidade que ainda não surgiu, para adquirir e ler o livro.  Sempre considerei este um dos grandes prazeres na vida de quem lê - quem sabe o que encontraremos amanhã ou o que estará disponível naquela banca de usados, algo que queremos muito ou algo completamente novo?]

 

10. Guerra e Paz; Os Irmãos karamazov; Crime e Castigo

 

11. O Conde de Monte Cristo

 

[Outros é o facto de ainda não ter encontrado edições a um preço que seja comportável]

 

12. Dickens e Twain

 

13. Quase todas as peças de Shakespeare

Só li três, nem todos foram um prazer como já contei em posts anteriores

 

14. Clássicos gregos 

 

[e outros é um pouco de falta de interesse]

 

15. Hemingway

 

[Ou interesse nenhum. Uma coisa que descobri é que nenhum destes autores que aparecem em todas as listas especializadas está tão alto que o facto de não o lerem irá implicar dano na vossa vida literária ou que não possa ser substituído por muitos outros mais interessantes. A vossa vida literária perde por não lerem Naked and the dead ou Naked Lunch?]

 

Nada Disso GIFs - Get the best GIF on GIPHY

 

16. Os Homens Que Odeiam as Mulheres

 Nem vi os filmes, só sei que entra a Rooney Mara

 

17. História de Uma Serva

 

tumblr_54fa11685e393055c410ab3ee852de47_905dcc20_500.png

(Tirado daqui)

 

18. Afonso Cruz

Um entre vários autores portugueses mais recentes que gostaria de ler (e há muitos não tão recentes que nunca li claro  -  Virgílio Ferreira, Régio, Cardoso Pires são tudo escritores que só conheço de nome)

 

19. As Cinquenta Sombras; Nicholas Sparks; O Segredo

Esta era uma entrada previsível, se bem que toda gente lê lixo de vez em quando suponho

 

20. Bridgerton

No tempo em que ainda seguia vários blogs de livros (para poder participar nos passatempos) andava muita gente a ler esta série, depois o entusiasmo pareceu ter arrefecido e agora voltou de novo. Não faço ideia e penso que é melhor ficar assim 

 

GIF funny disney scared - animated GIF on GIFER - by Kelak

 

 21. Livros (em série) de Elena Ferrante

li um título pequeno o ano passado, mas o problema das séries ataca de novo. E também um pouco de cansaço de o ver em todo o lado. Há sempre uns títulos na berra que vejo pelo menos vinte vezes ao dia. Às vezes também os leio (e fico desapontada)

 

22. O Código Da Vinci

Parece impossível, especialmente porque o tive nas mãos e li as primeiras páginas mas depois fui à minha vida e não voltei

Quem lê mais: os homens ou as mulheres?

Penso que todos os leitores em alguma fase do seu crescimento devem ter sido brindados com a frase: tens de largar os livros e conviver mais, sair mais! É uma das razões porque prefiro os dias frios: uma pessoa não se sente culpada por ficar em casa a ler se uma chuva gelada estiver a cair a potes. Não ajuda o facto de vivermos numa sociedade que parece não valorizar muito o livro nem o acto de ler como importante pilar do desenvolvimento pessoal e em maior escala vivermos num mundo capitalista que dá pouco valor às letras e artes. Como mulher é contraditório pois recebo a mensagem que devo ser recatada e ao mesmo tempo que devo sair, mas até que ponto posso sair sem arruinar a minha preciosa reputação? Os livros também podem ser um perigo para as mulheres afinal de contas.

Ironicamente há uma certa aura feminina que paira sobre o acto de ler. Por isso muita gente começa a ficar inquieta quando os seus filhos rapazes parecem ter mais interesse em ler livros do que em jogar futebol. Um rapaz recatado é um conceito estranho, não é por nada que as secções de brinquedos dos supermercados tão meticulosamente separadas por género nos dizem que o lugar dos rapazes é no exterior e não no interior. Estas pessoas estão em constante alerta contra tudo o que possa tornar os seus filhos menos homens, tudo o que seja vagamente feminino pois isso é igual a fraqueza. 

Agora que é comum o pessoal expor os seus problemas e pedir opiniões em certas páginas da internet temos um manancial de coisas dignas de reflexão como este post no Bored Panda: Father Lists All The Reasons He Thinks His 1-Year-Old Is Gay, Mother Left Speechless. E sim lá está um dos sinais: gostar demasiado de livros, para um rapaz. Se pesquisarem por "boy bullied for reading" vai vos aparecer o nome de Callum Manning, um jovem inglês que foi notícia por estar a sofrer bullying devido a ser um ávido leitor e partilhar as suas opiniões no Instagram. 

Então pensei: afinal quem lê mais? Esperei que o Google me pudesse dar uma resposta concreta, vão me perdoar pois comecei por escrever em inglês. Apareceu um artigo de 2007. Inicia com a história do dia em que o autor Ian McEwan andou a oferecer livros num parque londrino, em poucos minutos já tinha entregue trinta romances mas enquanto as mulheres os aceitavam de bom grado os homens olhavam para a oferta com suspeição - "When women stop reading, the novel will be dead".

Quase: as mulheres [americanas] liam em média nove livros por ano enquanto os homens liam cinco. Um dado curioso é que a esta altura mais rapazes tinham lido o Harry Potter do que raparigas - se bem que estamos falar de uma autora que assina com iniciais neutras e não com o seu nome feminino, granjeando assim mais respeito e mais interesse do público masculino. De qualquer modo as mulheres andavam a ler mais em todas as categorias, excepto biografias e História. Os homens perfaziam apenas 20% do mercado de ficção. Então, a despeito do cânone literário ser maioritariamente masculino, o grosso das pessoas que leem não o é. Que ironia.

O que inclinará os homens para a não-ficção? O artigo adentra esta questão através da neurologia, procurando explicações no cérebro mas eu sou muito céptica quanto às tentativas de encontrar diferenças como se existisse um cérebro feminino e masculino. Na cultura popular é o célebre: os homens são de Marte e as mulheres de Vénus - elas mais empáticas, eles com um espectro emocional menor. Esta teoria é como o All i Want for Christmas is You, podem bater-lhe com um pau mas ela volta sempre. Um excelente livro de não-ficção, que já mencionei aqui antes, é Delusions of Gender onde a autora, Cordelia Fine, desmonta estes estudos e mostra como é tudo uma questão cultural e como os estereótipos de género são projectados na criança mesmo antes de ela nascer. 

Vamos ver: que características são geralmente associadas à não-ficção? Um tipo de leitura mais séria, mais densa, objectiva, factual - menos emocional? E quais são as características que a sociedade diz que fazem um homem "a sério"? Controlados, racionais, analíticos, objectivos - menos emocionais? Os homens têm realmente menos probabilidade de ler livros que lidem com sentimentos e emoções e bastante mais probabilidade de abandonar esses livros a meio. Podemos procurar na mioleira algo que diga que as pessoas com um falo vão ler teoria política, mas será assim tão surpreendente que eles não tenham interesse nestes livros quando estão inseridos num mundo que lhes diz que sentir e mostrar emoções é errado num homem? Onde ainda é considerado normal dizer a crianças coisas como: porta-te como um homem ou os homens não choram?

Se os homens parecem ter uma panóplia de emoções menos vasta não é porque nasçam assim - é porque estas são sufocadas à medida que vão crescendo. Com que resultado?

 

 "There’s evidence that men who adhere more strongly to masculine ideals see getting psychological help more negatively. That can result in their feelings building up without an escape valve – either a personal one, through talking with friends and family, or a professional one, through therapy or other mental health services – and can escalate to a crisis point. Studies show that in the year before they killed themselves, only 35 percent of men saw a mental-health practitioner, while 58 percent of women did.

If a guy says, well my sense of being a man means that I can’t disclose any vulnerabilities, because that will make me look weak, if something [like depression] does come up, what do I do with that? I have to keep it to myself,” says John Oliffe, founder and lead investigator of the Men’s Health Research program at UBC [University of British Columbia]"

(Tirado daqui)

 

Claro que vocês podem argumentar que aquele artigo de 2007 já é muito antigo e que só diz respeito aos Estados Unidos, mas também encontrei este artigo da Deloitte datado de Dezembro de 2021:

 

"This trend persists despite global illiteracy impacting women more than men. In the coming year and beyond, Deloitte Global predicts that boys and men in almost every country will continue to spend less time reading books, and read them less frequently, than girls and women.

(...) boys also report enjoying reading less. A 2018 study of children at age 15 found that more than 40% of girls reported reading at least 30 minutes a day, compared to only about a quarter of boys who did the same. The same study found that 44% of girls said that reading was one of their favorite hobbies, while only 24% of boys said the same"

 

Quando fiz a pesquisa em português apareceram dois artigos da Marktest, um de 2013: "Enquanto 55.8% dos homens refere ter lido pelo menos um livro nos últimos 12 meses, entre as mulheres a percentagem sobe para 73.4%." E depois outro de 2020 - "Enquanto 53.5% dos homens refere ter lido pelo menos um livro nos últimos 12 meses, entre as mulheres a percentagem sobe para 68.8%".

O estudo da Deloitte apresenta algumas razões interessantes para estas discrepâncias que temos estado a observar: além de os rapazes serem mais incentivados a ocuparem-se com outras actividades, um motivo apontado é a falta de uma figura paterna com hábitos de leitura. Um artigo brasileiro cita um estudo onde o pai aparece em terceiro lugar como figura incentivadora da leitura atrás dos professores e da mãe. E os pais [figura paterna] lêem mais para as filhas do que para os filhos.

E há também o problema da forte divisão por género do mercado livreiro, algo que todos podemos observar com muita facilidade ao entrar numa livraria: ali estão os escaparates com um mar de capas com brilhantes, saltos altos e senhoras de vestido - é esperado que as senhoras mergulhem de cabeça neste mar enquanto os senhores colocam calmamente sobre o balcão um livro histórico de guerra. Nada disto é natural mas sim um reflexo dos estereótipos de género, aquilo que o mundo diz que homens e mulheres devem ser e gostar. 

 

"Em artigo publicado no jornal “The Guardian” em 2010, a autora Lionel Shriver disse que seu livro “Game Control” [ela também é a autora de We Need To Talk About Kevin], com protagonista masculino e sobre um plano de assassinato, quase recebeu uma capa que mostrava “uma moça jovem e cativante, usando chapéu e olhando para o horizonte”. Quando sugeriu carcaças de elefante, ouviu do departamento comercial que animais mortos repelem as mulheres (...) As ideias do mercado editorial sobre o que as mulheres querem são antigas e condescendentes”

(Tirado do artigo citado acima)

 

No que toca à ficção os homens tendem a preferir livros que falam de alienação, indiferença e luta solitária como O Estrangeiro ou À Espera no Centeio. Vale mencionar que The Catcher in the Rye é também conhecido por ser um dos livros predilectos dos psicopatas, o caso mais conhecido é o do tipo que assassinou John Lennon mas há outros. Claro que nem todos os homens são psicopatas nem o pobre Holden tem culpa disto - eu li o livro duas vezes. Mas mostra como os rapazes precisam de livros que transmitam uma variedade de sentimentos porque esta fixação com a imagem do ranger solitário combinada com outras manifestações de masculinidade tóxica e desequilíbrios emocionais que não são tratados é uma desgraça à espera de acontecer.

Para afunilar ainda mais, os homens leem muito menos livros escritos por autoras. Alguns artigos que encontrei dizem que existe uma tendência para escolher autores do nosso género, no entanto: "A study by Nielsen Book Research found that, of the 10 bestselling male authors, readership was roughly evenly divided by gender, with 55% male readers and 45% female readers. In contrast, only 19% of the 10 bestselling female authors’ readers were male, compared to 81% female"A experiência masculina é considerada universal, a feminina - limitada e acessória...

 

“I’ve known this for a very long time, that men just aren’t interested in reading our literature,” the Booker prize-winning novelist Bernardine Evaristo told me in an interview for The Authority Gap. “Our literature is one of the ways in which we explore narrative, we explore our ideas, we develop our intellect, our imagination. If we’re writing women’s stories, we’re talking about the experiences of women. We also talk about male experiences from a female perspective. And so if they’re not interested in that, I think that it’s very damning and it’s extremely worrying.”

(Tirado daqui)

 

Isto tem graves consequências: não só os rapazes vão ficando cada vez mais para trás nas habilidades de leitura e compreensão de texto, como se estão a privar de uma excelente ferramenta para o desenvolvimento da empatia e imaginação pois quando lemos estamos a "calçar os sapatos" da personagem - tentamos entender as suas motivações e as suas conexões com os outros na trama, somos confrontados como novas questões, com ambiguidades...E se eles também não leem autoras, são oportunidades que se estão a perder de percepcionar as mulheres como protagonistas. Somos vistas somente pela lente masculina o que vai reforçar a incompreensão pelas nossas experiências.

O ponto não é fazer disto uma competição - estamos diante de um problema inserido em outro ainda mais profundo, pois parece-me que o chalupa que acha que o seu filho é gay por gostar de ler e tocar em flores não é caso isolado. Isto traz-me à mente um outro post que encontrei algures - coisas que os homens não sabiam até estarem numa relação com uma mulher. Parecia engraçado mas fiquei logo deprimida pois a terceira coisa mencionada eram abraços...Que mundo é este? Muitas coisas ainda precisam de ser normalizadas no que ao género masculino diz respeito: flores (um dia será normal os homens receberem flores de presente) abraços, maquilhagem, terapia...E livros. 

Os Homens que não leem as mulheres

(e alguns autores adoráveis)

Tenho pensado outra vez na ideia de que se uma pessoa decide ler mais autoras e\ou pessoas não brancas, vai estar necessariamente a perder algo. Ou seja, se eu escolher passar um ano só a ler escritoras estarei a desperdiçar a oportunidade de ler boas obras por uma mera questão de género...E também na ideia de que é injusto tirar um livro da wishlist porque encontrei opiniões que apontam para conteúdo misógino. Porque não dar uma oportunidade? Outro dia encontrei uma lista com as passagens mais misóginas e as descrições mais absurdas (e grotescas) de personagens femininas que pessoas encontraram em livros escritos por homens.

Recomendo dar uma vista de olhos, mas tenham um saco para o vómito à mão. Alguns nomes são fáceis de reconhecer, Murakami, Ian Fleming ("All women love semi-rape (...)". Não esperaríamos nada menos, pois não?), Stephen K. (as suas descrições do corpo feminino parecem mais assustadoras que o próprio palhaço)...Um famoso autor de ficção-científica acha que as mulheres não têm lugar em naves porque - "weightless did things to their breast that were too damn distracting. It was bad enough when they were motionless; but when they started to move, and sympathetic vibrations set in, it was more than any warm-blooded male should be asked to take".

Um outro diz que temos um instinto natural para a cozinha. Clássico...Tanta imaginação, mas não chega para ver as mulheres como seres humanos e não como carniça. No livro da Rebecca Solnit The Mother of All Questions (da qual gostei muito) há um ensaio com o título - Oitenta Livros Que Nenhuma Mulher deveria ler. Foi baseado numa lista publicada por uma revista, Oitenta melhores livros que todos os homens deveriam ler. Há muitos pontos de contacto com as duas listas mencionadas acima, surpresa! E além das escolhas, os comentários do editor são qualquer coisa. Rebecca menciona o comentário sobre As Vinhas da Ira e tive mesmo de ir confirmar - "Because it's all about the titty"

 

"A lista me fez pensar que devia existir outra, com alguns dos mesmos livros, chamada “Oitenta livros que nenhuma mulher deveria ler” — embora, claro, eu ache que todo mundo deva ler o que quiser. Só acho que alguns livros são manuais de instruções explicando os motivos pelos quais as mulheres não passam de escória ou mal existem, a não ser como acessórios, ou por que são intrinsecamente pérfidas e vazias. Ou são manuais ensinando a versão de masculinidade que consiste em ser bruto e insensível, aquele conjunto de valores que irrompe como violência em casa, na guerra e por meios económicos"

 

A seguir ela menciona alguns homens que estão na zona de não leitura e que estão nesta lista (e em muitas outras):  Norman Mailer; Charles Bukowski; Saul Bellow ("The commissioner (...) petted and admire all women and put his hand wherever he liked. I imagine women weren´t very angry when he saluted them in this style because he picked out whatever each of them herself prized most - color, breasts, hair, hips (...)"; Hemingway (o comentário a Por Quem os Sinos Dobram também é giro: "A lesson in manhood: Even when you're damned, you press on" . Eu penso em conselhos diferentes, sendo o primeiro não usar o Hemingway como professor); Henry Miller; Philip Roth; John Updike (As she struggled, lamplight struck zigzag fire from her slip and static electricity made its nylon adhere to her flank”).  William Burroughs devia estar presente. Difícil conter o vómito, eu sei.

Na mesma zona estão as obras que descrevem crimes violentos contra mulheres de forma erótica e "aquelas monstruosidades de novecentas páginas que, se tivessem sido escritas por mulheres, seriam (...) mandadas fazer regime" (lembrei-me logo do Gravity's Rainbow. Não li, mas não faz mal pois nunca ninguém mentalmente são o fez). Eu acrescentaria autores, muitos dos quais ainda caminham entre nós e recebem prémios, que estão ligados à extrema direita ou expressam esse tipo de ideias e os predadores sexuais (e os que dizem que os livros escritos por autoras não prestam, como V. S. Naipaul)

Eu tive a minha dose, afinal li O Apanhador no Campo de Centeio e o Matadouro Cinco (fartos de citações adoráveis? “The women all had big minds, because they were big animals, but they did not use them much for this reason: unusual ideas could make enemies, and the women, if they were going to achieve any sort of comfort and safety, needed all the friends they could get.”) duas vezes (!) e também não acho que vocês devam ler Ayn Rand que aparece em todas as listas com livros de escritoras. Mas questiono a ideia de que se não ler o que diz o cânone literário vou ser considerada menos culta e vou estar a perder ou em falta.

Gosto de clássicos e há coisas que valem a pena, mas este cânone é um desfile de homens brancos e se nunca nos desviarmos dele não vamos contactar com uma miríade de histórias diferentes.  Porque é que os homens são considerados essenciais e a experiência que retratam universal, mas a experiência de uma mulher é acessória? Num artigo que encontrei alguém dizia que estava grato a autores que construiram histórias na esfera doméstica mostrando assim o seu valor como literatura, mas a ideia de que precisamos de um homem para validar a nossa experiência e o que escrevemos é absurda.

As pessoas podem ver post, atrás de post sobre livros de homens...Mas assim que alguém anuncia que vai fazer uma pausa para ler mais diversamente: everyone loses their minds. Também acho que vale a pena questionar se o talento de tantos autores brancos é tão incrível que mulheres ou pessoas não brancas não conseguem competir com ele ou se existe algo a puxá-los para cima. Quando estava a fazer uma rápida pesquisa sobre Jonathan Franzen (também mencionado por Rebecca) encontrei um artigo com dados que já têm alguns anos mas são muito interessantes: 

 

"Of the 545 fiction books reviewed in the Times between June 29, 2008, and August 27, 2010, 338 were written by men and 207 were written by women. In 2010, the Atlantic reviewed books by 10 women and 33 men. Harper’s reviewed 21 women and 46 men. The New Yorker published articles and short stories by 163 women, 449 men. At the New York Review of Books, a whopping 88 percent—or 133 of 152 articles—were written by men. And in 2010 the New York Times Book Review reviewed 283 books by women, 584 books by men."

 

E mais isto: nós assim que aprendemos a ler começamos logo a consumir a experiência masculina e em especial quando falamos em autores que odeiam mulheres, vale a pena pensar nos danos que isso nos causa, como a interiorização desse ódio. Mas o contrário não é exigido aos homens: não têm de ler qualquer autora. Podem colocá-las de parte toda vida sem serem incomodados (e nunca se lhes é dito que para aprenderem sobre as mulheres talvez devam ler, sei lá...Escritoras?) Porque deveria eu ser chamada de injusta (ou mesmo sexista) por querer ler mais mulheres, mas tudo bem se um tipo acha que se tocar no Orgulho e Preconceito a sua pila vai ganhar asas e sair a voar pela janela?

 

"For the top 10 bestselling female authors (who include Jane Austen and Margaret Atwood, as well as Danielle Steel and Jojo Moyes), only 19% of their readers are men and 81%, women. But for the top 10 bestselling male authors (who include Charles Dickens and JRR Tolkien, as well as Lee Child and Stephen King), the split is much more even: 55% men and 45% women. In other words, women are prepared to read books by men, but many fewer men are prepared to read books by women."

 

E as consequências:

 

"If men don’t read books by and about women, they will fail to understand our psyches and our lived experience (...) And this narrow focus will affect our relationships with them, as colleagues, as friends and as partners. But it also impoverishes female writers, whose work is seen as niche rather than mainstream if it is consumed mainly by other women. They will earn less respect, less status and less money."

(Tirado daqui, mas visto primeiro aqui)

 

É triste pensar na quantidade de homens que está presa neste reduto onde não entra nada diferente e se não entra, como é que a empatia se vai desenvolver? Não vai, porque isso também não lhes é requerido. Isto sim, é uma grande perda. Quando pensamos em listas de livros como estas realmente não surpreende que haja tantos homens a colocar um fim à sua vida e à de tanta gente...

Quem Escreve Aqui

Feminista * plus size * comenta uma variedade de assuntos e acha que tem gracinha * interesse particular em livros, História, doces e recentemente em filmes * talento: saber muitas músicas da Taylor Swift de cor * alergia ao pó e a fascistas * Blogger há mais de uma década * às vezes usa vernáculo * toda a gente é bem-vinda, menos se vierem aqui promover ódio e insultar, esses comentários serão eliminados * obrigada pela visita!

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Calendário

Março 2024

D S T Q Q S S
12
3456789
10111213141516
17181920212223
24252627282930
31

Sumo que já se bebeu

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2013
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2012
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2011
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2010
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
*

A Ler...

*
*

Algo especial a dizer?

*