Para este ano o objectivo era ler exclusivamente autoras. Dito assim não parece nada de espectacular já que há mais de um ano que é precisamente isso que tenho vindo a fazer...Mas continuo a encontrar pessoas que realmente acham que tal coisa não é possível, não devem existir bons livros de senhoras que cheguem. Ou a ser possível deve ser aborrecido ou redutor...Pensando nisto, decidi então fazer um ano de autoras todo certinho de Janeiro a Dezembro.
Não estava com grandes dúvidas que o desafio iria correr bem (li um livro escrito e ilustrado tanto por homens como mulheres mas acho que nem se pode considerar uma excepção) e que não seria nada aborrecido...Nunca tem sido, como sabe quem tem acompanhado os posts sobre o assunto. Para 2020 tinha pensando voltar a ler escritores - é desta! Só que este plano já está a ser atropelado pela ideia de ler autoras mais diversamente, até já comecei a pesquisar...Espero que vocês tenham tido um ano de óptimas leituras e agora aqui fica a lista com alguns dos favoritos:
Foi muito feliz, embora só tenha tomado plenamente consciência disso quando fiz a lista com todos os livros lidos - à mão numa folha como é costume, sublinhando a marcador os títulos a que dei 5 estrelas. Mais coisa menos coisa fiquei com 30 candidatos à lista final...Precisei de uns segundos para assimilar esta informação e depois devo ter dado um gritinho (para dentro pois era muito tarde na noite)
O ano passado foi óptimo e neste as coisas encaminharam-se ainda mais no sentido de me fazer ver a importância de ler autoras e de celebrar o talento e expressão feminina. Houve alturas em que além da questão literária e de escrita eu estava contente pela mera existência daquele livro. Por uma mulher decidir falar sobre a relação com o seu corpo ou sobre a sua experiência de índia numa sociedade branca e intolerante. Ou decidir ilustrar um livro sobre cientistas ou que o seu romance terá senhoras idosas como protagonistas.
Não é apenas crescermos como leitoras(es), mas também como humanas(os). Mas é preciso estarmos na disposição de ouvir estas vozes à margem. E o que li afinal? Bem, não achavam que eu ia ficar pelos quatro subtilmente mencionados acima...Aqui vão mais alguns dos favoritos:
Então, os melhores livros do ano. Já falei um pouco do assunto no post sobre coisas que aprendi ao ler autoras e agora que tenho aqui a folha com todos os títulos posso dizer que estou bem contentinha com o modo como as coisas correram. Lá acabei por conseguir ler mais escritoras pela (penso eu) primeira vez - agora confirma-se! Foi um ano literário de aprendizagem e com várias surpresas. Fazer um top é que para não variar foi um bocado difícil. Para este post não ficar gigantesco escolhi apenas quinze livros. Ficou na mesma, mas ok. Aguentem-se firmes:
1. A Guerra Não Tem Rosto de Mulher; Svetlana Aleksievitch
Quase um milhão de mulheres soviéticas participaram na Segunda Guerra: quer na retaguarda, quer na frente de combate elas faziam de tudo: eram enfermeiras, atiradoras, pilotos, conduziam tanques, desactivavam minas, cozinhavam, lavavam, combatiam corpo a corpo. Muitas eram também meninas com dezasseis ou dezassete anos, até menos. Mas quando a guerra acabou o seu papel foi ignorado e esquecido. Svetlana passou anos a recolher testemunhos e o resultado é um verdadeiro monumento à bravura feminina. Um relato íntimo e cru mesclado de morte e inocência. Absolutamente esmagador
2.Novas Cartas Portuguesas, Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta
Em Maio de 1971 as três Marias (três aranhas astuciosas) decidiram começar a escrever um livro a seis mãos partindo do romance epistolar "Cartas Portuguesas" (as cartas de amor endereçadas a um oficial francês por Mariana Alcoforado, enclausurada no convento de Beja) onde denunciavam fortemente a ditadura, a sociedade patriarcal e a opressão contra as mulheres. Um escândalo: o livro foi considerado imoral, houve julgamento e até mobilização internacional. E ainda continua actual. Um verdadeiro monumento feminista, histórico e literário
3.Men Explain Things to Me, Rebecca Solnit
Partindo de uma situação caricata, um homem que lhe tentou explicar um livro que ela própria tinha escrito, Rebecca fala de feminismo e das várias formas de violência contra as mulheres
4. O Deus das Pequenas Coisas, Arundhati Roy
"Que tudo começou realmente na época em que as Leis do Amor foram feitas. As leis que estipulavam quem devia ser amado, e como. E quanto."
5. North and South, Elizabeth Gaskell
Conhecido clássico de 1855 ambientado na revolução industrial. Enredo, personagens, escrita - é tudo tão bom. Margaret e John
6.Bad Behaviour, Mary Gaitskill
Um provocativo conjunto de contos sobre solidão, abuso emocional, sexo pago, sadismo e mulheres a tentarem vencer na grande maçã
7. Incidents in the Life of a Slave Girl, Harriet Jacobs
Harriet Ann Jacobs (1813-1897) nasceu escrava na Carolina do Norte. Aos doze anos foi vendida a um tipo que a assediava sexualmente e a humilhava de forma persistente, recusando-se por todos os meios a libertá-la. Então Harriet elaborou um plano arriscado: ficar escondida até conseguir escapar para o norte. Ficou anos escondida numa divisão insalubre, sem poder ver os filhos, até finalmente conseguir fugir de barco para Filadélfia. Além de ser um relato incrível de luta pela liberdade é também um dos raros testemunhos da escravatura no feminino
8.Beloved, Toni Morrison
A história de uma mulher que tinha uma árvore nas costas, da sua filha e de um fantasma
9.ODespertar, Kate Chopin
O "despertar" de Edna Pontellier uma jovem mulher que decide romper com as conveniências sociais e com o papel tradicional reservado às mulheres e abraçar a independência e a realização sexual
10.A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, Martha Batalha
Eurídice Gusmão podia ter sido muitas coisas na vida. Mas não lhe permitiram ser mais que uma dona de casa - educada para ser propriedade masculina no recato do lar, sem hipóteses de se realizar. Como tantas mulheres neste mundo. Invisíveis
11. O Clube da Sorte e da Alegria, Amy Tan
Um livro lindíssimo onde a autora analisa a relação entre quatro mulheres vindas da China para São Francisco e as suas filhas já nascidas na América
12.Passing, Nella Larsen
Tudo na vida de Irene Redfield parecia estar seguro...Até aparecer Clare. Uma mulher enigmática com feitio de gata que consegue fazer-se passar por branca e que não se importa com o perigo. Uma novela cheia de areias movediças
13. Wild: From Lost to Found on the Pacific Crest Trail, Cheryl Strayed
Uma mulher, uma mochila demasiado carregada, um longo caminho, nada a perder
14. The Girl Who Circumnavigated Fairyland in a Ship of Her Own Making, Catherynne M. Valente
O conteúdo é mesmo tão bom quanto o título: a maravilhosa história de como uma menina chamada Setembro viajou até à terra das fadas montada num leopardo e das muitas aventuras que viveu lá
15. Fábrica de Oficiais, Hans Hellmut Kirst
A história de um misterioso crime ocorrido numa escola para oficiais alemães em 1944, do tenente incumbido de descobrir a verdade e das consequências que isso teve. Excelente sátira, especialmente para quem tem interesse nestes temas
Assim se faz a contagem quando não se tem Goodreads nem esses mimimis. Lembrei-me de colocar aqui uma foto porque não preparei texto introdutório nenhum de jeito para este post - enfim, folhear os meus apontamentos foi giro. Havia algumas coisas que já não lembrava de ter lido. Como já devo ter contado aqui algures, a minha memória temporal é atrofiada. Conheço todos os livros que tenho na estante, mas não sei quando os li. Quando se instala uma zaragata cá em casa para saber em que ano estivemos no sítio x nunca posso ajudar. Já fazer a lista com os melhores não foi muito bom, derivado de ter acabado com 24 candidatos para 10 lugares. A sério. Pensando bem o contrário era pior. A ordem da lista é meio aleatória, algum tinha de ficar em primeiro e assim por diante. Aqui está:
1. A Room of One's Own, Virginia Woolf
2. O Exílio, Pearl S. Buck
3. Maus: A Survivor's Tale, Art Spiegelman
4.On the Road, Jack Kerouac
5. O Castelo, kafka
6. Moby Dick, Herman Melville
7. Persuasão, Jane Austen
8. Os Versículos Satânicos, Salman Rushdie
9. A Invenção de Morel, Adolfo Bioy Casares
10. A Oeste Nada de Novo, Erich Maria Remarque
11. O Amor de Uma Boa Mulher, Alice Munro
12. Fala, memória; Vladimir Nabokov
13.Cândido ou o Optimismo, Voltaire
14.Ragnarok: The End of the Gods, A.S. Byatt
15.Delta de Vênus, Anaïs Nin
E ainda menções honrosas a:
- Still Alice, Lisa Genova
(pela vida das borboletas)
- Coraline, Neil Gaiman
(pela coragem, mesmo quando se é pequeno para a idade)
Ainda não é um bocado cedo para isso? Talvez, mas se há aqui alguém que costuma acompanhar este blog (que pretensioso que isto soa. Ainda pior que dar nomes aos leitores tipo queriduxos e não sei quê) sabe que no final do ano eu tenho tendência a ficar meio deprimida...Não sei se me vai apetecer escrever alguma coisa. De qualquer modo não ia ser muito diferente do que escrevi o ano passado: começando pelo fatal número que indica a quantidade que lemos e que pode ser tanto um motivo de orgulho como de pena, embora a realidade é que não vale grande coisa. Fui aos meus cadernos - de outro modo seria quase impossível distinguir o que foi lido este ano do que não, dado a minha pobre memória temporal - e fiz uma lista. Foi uma tarefa difícil, mas fiquei bastante contente: a possibilidade de poder encontrar livros como estes é o que para mim faz com que o acto de ler seja sempre excitante. Planos de leitura para o futuro, nenhuns...Ainda não é desta que passo a achar graça a isso ou que abro uma conta no goodreads - leitora do contra, depois queixa-te que nenhum tipo te pega.
Percebo que este foi um ano atípico a nível de leituras quando estou a fazer um top dos livros que menos gostei e a Culpa das Estrelas não ocupa o primeiro lugar. Só o facto de fazer este top é estranho...Não é costume não gostar de algum livro. Naturalmente há alguns que gosto menos mas não a ponto de pensar - puxa, preferia ter de ouvir o Leandro a cantar aquela música do pobre coitado em loop do que ler isto outra vez. Não me agridam por causa das Estrelas...O jonh é muito fofinho, sim senhor, mas aquilo é intragável. De facto, detestei quase tudo o que li de YA. Houve livros que não acabei (outra coisa rara), muitos estilos e autores novos. Uma confusão que reflecte o meu próprio estado de espírito...Ora, tenho andado a actualizar o meu registo de leituras - nome fino para designar o bloco onde aponto o título dos livros, autor e algumas impressões. É uma coisa que adoro, mas ás vezes tenho preguiça de escrever e deixo acumular...Mas agora já só me falta anotar os últimos quatro livros que li. Folheando o que ficou para atrás, no entanto, constato que também li coisas excelentes. Até senti uma certa emoção ao reler o que escrevi sobre esses...
Tudo o que li do Eça (se alguém morto está a ler este texto diga ao Eça que o amo); Á Espero noCenteio do Salinger; Tristessa - um pequeno livro sobre uma prostituta que Kerouac conheceu no México - é tão belamente trágico que ás vezes tinha que parar para respirar fundo; Kafka á BeiraMar (e o próprio Kafka claro...Cara pessoa morta faça o favor de dizer ao Franz que também o amo); O Amante do Vulcão de Susan Sontag - romance histórico fabuloso que merecia uma resenha aqui. Mas não fui capaz...Sou a única a ter mais facilidade em falar do que não gosto do que sobre aquilo que gosto? Anna Karenina - Acho que os autores russos são mesmo a minha chávena de chá. O único problema é não saber bem o que ler a seguir: um leitor incauto lê um Tolstoi e sente-se realizado, mas se começar a pesquisar a lista é interminável. E encontra-los pior ainda. Li pela primeira vez Lobo Antunes e não morri e também a nível de descobertas tenho de mencionar Alice Munro - fiquei duplamente contente quando ela ganhou o Nobel por se tratar de uma Senhora e ainda por cima contista: o conto é altamente desprezado por editoras e leitores, como se fossem coisitas menores que um autor vai escrevendo enquanto não lança o seu grande romance, mas eu gosto cada vez mais. É um tipo de texto exigente que não está ao alcance de qualquer um. Então quando a li fiquei triplamente contente. Podia mencionar mais alguns livros, mas só estes já fizeram valer a pena. Não sei o que seria de mim sem os meus livros ou melhor sem livros no geral. Entretanto conto ler mais um bocadinho: comecei A Mãe que estou a apreciar deveras. Quanto a contagens...Não quero saber. Espero que vocês também tenham lido coisinhas boas, mesmo que tenha sido pouco: Abaixo as estatísticas!
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