O coração dorido da feminista
(e formas de amar na realeza)
- Uma pessoa sabe que cresceu quando se pergunta onde estão os pais da Masha. Eles deixaram-na ali naquela casa na floresta com um urso? Tendo em conta que a garota é um bocado psicótica pode ser que eles estejam enterrados ali algures...Também não dedicamos tempo suficiente a discutir como é que o pai da Porquinha Peppa guia aquele carro quase na vertical colina acima. Há uns tempos num episódio a Peppa vai numa visita de estudo ao zoo - eles são todos animais, mas vão ver outros animais iguais? O meu cérebro ia explodindo.
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- Uma das razões para não ter filhos é não ter de levar com os danados dos anúncios a brinquedos, a cada ano reparo que esses anúncios parecem parados no tempo como o do ferrero...Mas enquanto todos sentimos um quentinho quando vemos o Ambrósio e a senhora, os de brinquedos parecem vir directamente dos anos 50 e são tudo menos inofensivos. Até as transições são brutais, uma seta apontada ao meu coração feminista, um anúncio a super-heróis logo seguido de um a nenucos. E é impressão minha ou estes bonecos estão cada vez mais complicados? dar-lhes o biberão, mudar a fralda, fazê-los parar de chorar, triturar a sopa...Que distopia é esta?
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- Num post anterior disse que não tinha particular interesse num bastante famoso episódio histórico, considerado o suprassumo do amor. Pode parecer que tenho um coração de gelo então lembrei-me de uma história que me interessa mais - a de Pedro e Estefânia. É uma história que aterra no lado oposto do espectro, mas eu sou do contra já se sabe.
É mais ou menos assim: Maria da Glória que é como quem diz Dona Maria II tinha-se ido à conta de um parto mal sucedido em 1853, deixando o seu filho mais velho com apenas 16 anos. Dois anos depois D. Pedro V era oficialmente aclamado rei. Com uma personalidade séria e puritana, as mulheres da corte aborreciam-no e também não tinha grande interesse em casar. Depois de uma primeira tentativa de enlace que não deu em nada, o caso estava bicudo. Até que chegou uma sugestão da rainha Victória [de Inglaterra]: e que tal uma princesa prussiana chamada Estefânia Josefa?
Estefânia tinha a mesma idade e o mesmo feitio reservado, além disso era também uma mulher culta, com reconhecida vocação menos para a extravagância e mais para o estudo e para a caridade, estando assim em consonância com as ideias liberais do monarca português e com a sua preocupação para com os pobres e os doentes - por esta altura Lisboa enfrentava duras crises de cólera e febre amarela mas o rei em vez de sair da cidade percorria os hospitais, demorando-se à cabeceira dos doentes - o povo tinha-lhe grande afeição. Também o preocupava o quanto o país era atrasado.
É bastante provável que as virtudes do rei tenham atravessado as fronteiras e chegado aos ouvidos da princesa, ajudando à sua decisão. No dia 17 de Maio de 1858 Estefânia chegava de corveta à barra do Tejo. E é assim que ela descreve a primeira vez que se viram -"Não dissemos nada, demos as mãos, ele beijou-me na testa, eu chorei, ele tinha lágrimas nos olhos, ficámos a olhar-nos por muito tempo, sem nada dizer, mas compreendemo-nos.” Nos festejos do casamento algo fez o povo pressagiar tragédia: um dos diamantes da tiara que a rainha trazia (uma jóia com umas impressionantes quatro mil pedras preciosas que ofuscavam o olhar divido à incidência do sol), fez-lhe um corte na testa e o véu ficou manchado de sangue. O presságio não estava errado: a união duraria uns escassos catorze meses.
(D. Pedro V e D. Estefânia com outros membros da Casa Real em Sintra, 1858)
Mas foram catorze meses felizes: Pedro aproveitava todo o tempo livre para estar com Estefânia, correspondiam-se quando tinham de se separar mesmo que a separação fosse só por uns dias (“Nós somos dois adolescentes. Quando Pedro saiu para caçar durante três dias, trocámos correspondência, escrevendo quatro cartas cada um”) e eram frequentemente vistos a passear de mão dada.
Entretanto nunca mais vinha era o esperado herdeiro. Quão insólito isto deve ter parecido, que neste departamento nada se passasse...Não é de crer que a rainha tenha ficado ressentida com a falta de interesse da sua metade, ela que achava que o hábito de os esposos dormirem juntos não era muito agradável. E ele que escreveria que a natureza de Estefânia "era perfeita demais para o nosso mundo". Bem podia a corte esperar sentada para não criar raízes, este enlace não estava destinado a ser carnal.
Depois de uma visita ao Alentejo para a inauguração de um troço do caminho de ferro a rainha ficou doente com difteria; Pedro permaneceu dois dias inteiros à sua cabeceira mas não havia nada a fazer e Estefânia acabou por falecer aos 22 anos. Os médicos da casa real durante a autópsia confirmaram que ela estava intocada - quão insólito isto parece ainda hoje que quando se pesquisa este é o primeiro detalhe que surge...Dois anos depois em 1861 falecia o rei vítima de febre tifóide contraída por ter bebido água contaminada durante uma caçada.
De certo modo o herdeiro que acabaram por ter foi um hospital. Eles fundaram várias instituições de caridade juntos - um dia, desagradada com o que viu no Hospital de São José a rainha tirou dinheiro do seu dote para financiar uma enfermaria. E o seu último desejo era que fosse construido um novo e moderno hospital pediátrico. O rei começou o projecto que viria a ser acabado no reinado seguinte, mais tarde receberia o nome de Dona Estefânia.
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- Recentemente no Joker vi que um concorrente errou numa pergunta porque não sabia quem foi Maria bárbara. Isto é o que dá não ler os livros obrigatórios na escola, senão saberia que foi por causa de Maria Bárbara - cara de lua cheia, bexigosa, mas musical a quanto pode chegar uma princesa [na verdade, além de tocar ela chegou a compor para orquestra] - que se construiu um convento em Mafra e que ela nunca chegaria a vê-lo terminado. Um detalhe interessante é que, mesmo podendo faltar certos atractivos físicos à primogénita do Magnânimo, o seu casamento com Fernando VI de Espanha foi feliz, unido também no amor pelas artes, especialmente pela música. Quando ela faleceu em 1758 o rei, que já era de tendência melancólica, ficou tão devastado que se finaria um ano depois.
- Acabei Dias de Abandono da Elena Ferrante, a história gira em torno da desintegração psicológica de uma mulher que é abandonada pelo marido após 15 anos de um casamento aparentemente sem problemas. Tem alguns bons momentos, mas no geral não gostei tanto quanto estava à espera. Agora vou pegar num livro da Teresa Veiga. Outra autora misteriosa, nem tinha reparado na coincidência.