Melhores Leituras de 2019
Para este ano o objectivo era ler exclusivamente autoras. Dito assim não parece nada de espectacular já que há mais de um ano que é precisamente isso que tenho vindo a fazer...Mas continuo a encontrar pessoas que realmente acham que tal coisa não é possível, não devem existir bons livros de senhoras que cheguem. Ou a ser possível deve ser aborrecido ou redutor...Pensando nisto, decidi então fazer um ano de autoras todo certinho de Janeiro a Dezembro.
Não estava com grandes dúvidas que o desafio iria correr bem (li um livro escrito e ilustrado tanto por homens como mulheres mas acho que nem se pode considerar uma excepção) e que não seria nada aborrecido...Nunca tem sido, como sabe quem tem acompanhado os posts sobre o assunto. Para 2020 tinha pensando voltar a ler escritores - é desta! Só que este plano já está a ser atropelado pela ideia de ler autoras mais diversamente, até já comecei a pesquisar...Espero que vocês tenham tido um ano de óptimas leituras e agora aqui fica a lista com alguns dos favoritos:
. How to Suppress Women's Writing, Joanna Russ
A conhecida escritora de ficção-científica Joanna Russ desmonta de maneira clara e com vários exemplos as estratégias que o patriarcado usa para impedir as mulheres de produzirem obras literárias e artísticas - She didn’t write it; She wrote it, but she shouldn’t have; She wrote it, but look what she wrote about; She wrote it, but "she” isn’t really an artist...Ajudou-me a entender as coisas estranhas que comecei a notar ao ler mais autoras.
. Ema, Maria Teresa Horta
Três mulheres: avó, mãe e filha. Partilhando o mesmo nome e movendo-se pelo espaço repressivo da casa onde a violência se repete...Será a última das Emas a quebrar o ciclo cometendo um acto irreversível. Um livro duro, carregado de paixão e loucura, com aquela maravilhosa carga poética que é própria de Maria Teresa Horta.
. Ain't I a Woman: Black Women and Feminism, bell hooks
bell hooks analisa a relação entre as várias formas de opressão que afectam as mulheres negras: o impacto do sexismo durante a escravatura e como continuaram a ser desvalorizadas sistematicamente no período seguinte; o sexismo dentro dos movimentos de direitos civis, o racismo dentro do movimento feminista e a necessidade de um feminismo interseccional.
. Silent Spring, Rachel Carson
Em 1958 a bióloga marinha Rachel Carson começou a investigar os efeitos do DDT no ambiente e neste livro mostra de forma meticulosa como todos os ecossistemas (e por consequência a vida humana) estavam a ser envenenados e destruídos. Nessa altura as indústrias de químicos viviam à grande anunciando estas substâncias como solução para tudo...Elas eram usadas indiscriminadamente sem preocupação com os efeitos que poderiam ter. Silent Spring foi uma grande pedra na engrenagem (ainda por cima colocada por uma mulher: Carson foi acusada de ser uma alarmista histérica, atacada por não ser casada, entre várias outras coisas...) e muitas das ideias aí desenvolvidas estão na base dos movimentos ecologistas de hoje.
(Rachel Carson à beira-mar examinando um espécime num frasco.
Julho de 1961. Foto de A. Eisenstaedt para a revista Life)
. A Small Corner of Hell: Dispatches From Chechnya, Anna Politkovskaia
Anna Politkovskaia, jornalista e activista, assassinada a tiro em Outubro de 2006, começou a escrever no início de 1999 uma série de artigos sobre a segunda guerra na chechénia (1999-2009). Era o único repórter com acesso constante à região e testemunhou as terríveis brutalidades cometidas diariamente contra a população civil. Esse é o seu foco: dar voz a quem foi apanhado no fogo cruzado entre os rebeldes e o exército russo. Anna também denuncia quem dos dois lados se estava a aproveitar do caos para enriquecer e as manipulações do governo a fim de passar uma imagem "limpa" da guerra.
. O Dia dos Prodígios, Lídia Jorge
Primeiro romance da autora (1980) passado entre o Verão de 1973 e a Primavera de 1974 na aldeia fictícia de Vilamaninhos - um sítio esquecido e estagnado que serve de microcosmos para uma análise de Portugal à data da revolução. Aqui encontramos cobras que de repente sobem pelos ares e um inesquecível conjunto de personagens como Branca, uma mulher com poderes sobrenaturais.
. Racismo no País dos Brancos Costumes, Joana Gorjão Henriques
Como é ser negro em Portugal no século XXI? Analisando áreas como justiça, habitação, educação ou emprego, a jornalista Joana Gorjão Henriques mostra que enquanto vivemos inebriados com a ideia de que em Portugal não existe racismo e com a ideia do bom colonizador que deu novos mundos ao mundo situações graves de discriminação continuam a acontecer.
"No país dos brandos costumes pode haver racismo, mas ninguém é racista porque racista são os outros. No país dos brandos costumes há cidadãos portugueses tratados como imigrantes, mas todos se vangloriam das suas políticas de integração. No país dos brandos costumes toda a gente é bem-vinda, mas algumas pessoas têm mais probabilidade de ir para a prisão do que outras (...) É um pacto violento entre quem sabe mas esconde, e entre quem não sabe nem quer ver (...)"
. Shrill: Notes from a Loud Woman, Lindy West
Não é fácil ser uma mulher grande com opiniões grandes num mundo que espera que sejamos complacentes, quietas e que ocupemos o menos espaço possível...A escritora e comediante Lindy West cedo percebeu esta realidade. Neste conjunto de memórias ela conta a sua jornada para se aceitar a si própria e se tornar uma activista lutando contra a fatphobia e a misoginia, mesmo quando implica lidar com doses massivas de trolls e com comediantes que acham que as rape jokes têm muita graça.
(Lindy West photographed in Belltown on March 15, 2016)
. So Long a Letter, Mariama Bâ
Depois da morte súbita do marido, uma mulher tenaz chamada Ramatoulaye começa a endereçar cartas a uma amiga que está na América. Nelas reflecte sobre a trajectória da sua vida, a condição de viúva e a sua decisão de permanecer dona de si mesma. A autora ilumina assim a condição das mulheres na sociedade senegalesa, antes e depois da independência (1960), abordando aspectos religiosos e a questão da poligamia.
. Portuguesas Com M Grande, Lúcia Vicente e Cátia Vidinhas
Um belíssimo livro ilustrado que conta a história e os feitos de quarenta e duas mulheres portuguesas. Resenha completa aqui.
. From Here to Eternity: Traveling the World to Find the Good Death, Caitlin Doughty
Caitlin Doughty, agente funerária, dona de um divertido canal de Youtube e fundadora da organização The Order of the Good Death que promove práticas funerárias naturais e a aceitação da morte como algo natural, leva-nos numa viagem à volta do mundo para descobrir como é que outras culturas lidam com a morte e com o luto.
(Ilustração do livro da autoria de Landis Blair)
. Good and Mad: The Revolutionary Power of Women's Anger, Rebecca Traister
Neste livro, Rebecca Traister mostra o duplo padrão que existe no modo como se encara a raiva masculina e feminina e como isso afecta as mulheres que se veem forçadas a arranjar maneiras de disfarçar a sua fúria...E analisando a Women's March e o movimento Me Too ela também mostra como a nossa raiva pode ser um poderoso combustível que move à acção - e que muda o mundo.
“We must come to recognize — those of us who feel anger, who have in our lives taken pains to disguise it, who worry about its ill effects, who rear back from it (..) — that anger is often an exuberant expression. It is the force that injects energy, intensity, and urgency into battles that must be intense and urgent if they are to be won. More broadly, we must come to recognize our own rage as valid, as rational, and as not what we are told it is: ugly, hysterical, marginal, laughable.”
. Death in Spring, Mercè Rodoreda
Uma história negra com um ambiente dream like sobre um rapaz que vive numa aldeia algures nas montanhas da Catalunha, um sítio sem nome, sem tempo, cortado do mundo exterior, onde costumes bizarros e cruéis são seguidos cegamente. O protagonista tem de aprender a navegar sozinho nesta sociedade onde qualquer desvio da norma é punido. Geralmente considerado uma alegoria para a vida debaixo do regime franquista, Death in Spring é uma pintura complexa de esperança e desespero, inocência e brutalidade.
. Her Body and Other Parties, Carmen Maria Machado
Raparigas que misteriosamente se evaporam, um marido que insiste em saber porque é que a esposa usa um laço ao pescoço, mulheres assombradas depois de uma cirurgia de perda de peso...E uma versão alternativa de law and order, muito mais interessante que o original.
. Delusions of Gender: How Our Minds, Society, and Neurosexism Create Difference, Cordelia Fine
A ideia de que as mulheres são de Vénus e os homens de Marte - que eles nascem com um cérebro dotado para fazer equações e elas com um cérebro dotado para a empatia - está entranhada na cultura popular, aparece até em artigos especializados. É muito cómoda: se os nossos cérebros são diferentes então as nossas escolhas serão diferentes e está explicado porque há menos mulheres em áreas como a ciência...Só que não. De modo claro e com sentido de humor, Cordelia mostra que não há nada credível que suporte esta teoria e explica como a nossa mente está continuamente a ser influenciada pelas assumpções culturais sobre género.
. The Summer Book, Tove Jansson
A história de uma menina de seis anos, cheia de curiosidade, chamada Sophia e da sua avó. Elas passam os dias de Verão na companhia uma da outra percorrendo a costa da sua pequena ilha no golfo da Finlândia, fazendo aprimorados estudos sobre os insectos locais e conversando sobre Deus, o amor e a morte. Em vinte e duas límpidas vinhetas, Tove cria um mundo mágico repleto de alegrias e tristezas intimamente ligado à natureza.
(Ilustração do livro, feita pela autora)
. A Field Guide To Getting Lost, Rebecca Solnit
Neste conjunto de nove ensaios, um maravilhoso mosaico de história cultural, auto-biografia, escrita de viagem e crítica de arte, Rebecca Solnit reflecte sobre o conceito de estar perdido e sobre a importância do desconhecido.
. The Member of The Wedding, Carson McCullers
Durante o Verão dos seus doze anos, enquanto o radio dispara notícias sobre a guerra, Frankie está a sentir-se mais aborrecida do que nunca. Mas quando o seu irmão anuncia inesperadamente que vai casar ela vê nisso a tão deseja oportunidade de finalmente fazer parte de alguma coisa....Um retrato inesquecível dos sentimentos de ansiedade e solidão desesperada, de estranheza, quando se está entre ser criança e mulher.