Ler no escuro e com pressa
Comecei a ler Sete Contos Góticos (1934) de Karen Blixen, mais conhecida pelo seu livro de memórias Out of Africa. Na verdade só tenho o primeiro volume que comprei no meu sítio de usados do costume, onde estou auto-proibida de ir, e que tem quatro contos - os outros três tive que ir arranjar online e tenho no telemóvel. Sim, foi o livro que estive a ler no dia do apagão, assunto sobre o qual penso que toda a gente já disse tudo o que havia para dizer e eu nada tenho a acrescentar até porque tive apenas uma vaga consciência do apocalipse que estava a acontecer no exterior. E também não senti o desejo de ir para a rua conviver, muito obrigada.
Entre as coisas que se tomam por garantidas, e não vejo muita gente mencionar este aspecto, está a respiração - um dia inteiro com a máquina desligada ou ir dormir com a forte possibilidade de não mais acordar? Assustador. Mais do que ter de almoçar e jantar atum. Voltando ao livro, li com ajuda de uma pequenina lanterna, uma vela estaria mais dentro do espírito mas só faltava pegar fogo à casa - não está a ser bem o que tinha pensado e também tem mais subtexto do que tinha previsto por isso entre sublinhar, anotar, voltar a ler passagens (enquanto oiço em fundo alguém a empacotar encomendas da sua loja, o estranho conteúdo que achamos relaxante) a leitura flui lentamente...É uma boa altura para relembrar que ler um ou dois livros por mês não é menos válido do que ler quarenta.
É certo que por vezes a leitura demora mais porque não estamos a gostar assim tanto e que às vezes há coisas que despachamos de uma assentada - esses é que eram os bons tempos a ler na mesma posição durante horas sem me distrair com nada - mas nem todos os títulos se prestam à rapidez, nem todos dão satisfação imediata. O que talvez esteja na base do estranho paradoxo de existirem pessoas em comunidades de livros nas redes sociais que na verdade não lêem nada do princípio ao fim, porque uma coisa é a estética outra é ter que fazer esforço...Até para o livro mais vácuo de conteúdo é preciso alocar o mínimo de esforço para chegar ao fim e ter a satisfação da resolução.
Se pensarmos bem para que serve a pressa? Vocês podem dizer que há muita coisa que gostavam de ler e o tempo que têm, que todos temos, é limitado - mas mesmo que leiam quarenta livros por mês ainda assim é pouco provável que cheguem realmente a ler tudo o querem na vida, sem contar com as novidades que estão sempre a sair...Nunca vai haver tempo que chegue por isso se calhar é melhor aproveitar o que estão a ler no momento. Esta arengada toda é só para me desculpar de ainda só ter lido três contos até agora.