FL 2022: relato detalhado da visita
(e muitas escritoras!)
A cada ano que passa fica mais difícil escrever um texto sobre a Feira do Livro [de Lisboa] que não seja parecido com os anteriores - isto faz-me lembrar que este blog fez doze anos em Julho, coitado...Já deixou de merecer um post de comemoração. Talvez deva contar como foi o meu percurso na Feira, certamente uma ideia original. Fui no Fim-de-Semana que é uma boa altura para ir se vocês sentirem saudades de se roçarem em muita gente, gostarem de ser atropelados por carrinhos de bebé com os gritos dos seus ocupantes a agredirem os vossos ouvidos. Empurrar um carrinho de bebé é algo que nunca farei, mas vi umas pessoas que me fizeram mudar de ideias - pois lá dentro iam dois cães! Assim, sim. Parei na Leya mas só para ver onde estavam os livros que queria comprar na promoção.
Continuando a íngreme descida, parecia-me ter visto que o Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos ia estar como livro do dia. Não vi exemplar algum do livro, mas em compensação fui abordada por dois funcionários sem ter pedido: um para perguntar se eu precisava de alguma coisa e outro para recomendar o Rapariga, Mulher, Outra da Bernardine Evaristo. Aprecio funcionários prestáveis, mas a minha introversão não aguenta. E fui brindada com alguém que pegou no The Haunting of Hill House da Shirley e se perguntou se valia a pena comprar, se seria parecido com a série. Senti dores físicas.
Não vou dizer aquilo em que pensei quando na Tinta da China perguntei por quatro títulos e se iam estar na hora H e responderam-me que só um deles é que ia ser colocado na promoção...Ainda assim comprei O Último Amante da Teresa Veiga mesmo só com o desconto de Feira. Entretanto houve uma paragem no stand da Fundação Francisco Manuel dos Santos, tomei conhecimento dos pequenos livros que publica através de um blog amigo.
Na verdade, o que me atraiu para lá em primeiro lugar foi um papel a anunciar livros a 2 euros. Havia muitos temas interessantes, escolhi quatro (já vi que trazem a fotografia de capa no interior na forma de um postal) e em compras acima dos dez podia-se trazer outro de oferta, da colecção ensaios. Também entrei na tenda das pequenas editoras - o melhor lugar da feira era num canto desta tenda onde estava uma ventoinha. Comprei A Idade da Inocência de Edith Wharton. Havia vários clássicos a menos de cinco euros.
Nos alfarrabistas a Bernardine Evaristo voltou a fazer uma aparição e desta vez não podia deixar de trazer o livro, ainda por cima estava novo. Também encontrei outros dois títulos que tinha na lista. Um foi Ministros da Noite: Livro Negro da Expansão Portuguesa, trata-se de uma colectânea de textos históricos que mostram as barbáries cometidas durante a expansão\colonização, uma tentativa de desmontar o discurso glorificado que nos enfiam pela goela abaixo desde crianças e onde vão beber o racismo e a xenofobia que vemos hoje. Foi publicado nos anos noventa por iniciativa de um movimento anti-racista. A editora lançou uma nova edição com prefácio actualizado, mas este estava a cinco euros.
E o outro foi A Costa dos Murmúrios - queria um livro da Lídia Jorge e a escolha acabou por recair sobre este, visto que é antigo pensei que o poderia encontrar em segunda mão e assim sucedeu. Estou a dar a entender que andei activamente à procura destes livros, mas foi sorte. A seguir passei para o outro lado da Feira antes que continuasse por ali abaixo a gastar mais dinheiro.
Quando cheguei à Orfeu e perguntei por dois títulos levei logo com um: mas é para comprar ou só para ver? A medo perguntei se iam estar na hora H, a resposta foi não (mas um deles foi editado em Junho de 2020?), num trémulo fio de voz perguntei então se iam estar como livros do dia, a resposta foi que um deles sim mas o outro não (mas esse outro está como livro no dia no site da Feira? Passando de 22 euros para 13), já a jazer no chão eu disse que lá teria que esperar pelo ano seguinte, se não houver falha de stock acrescentou a funcionária acabando de me aniquilar.
Dos descontinuados da Relógio D'Água trouxe Vidas de Raparigas e Mulheres da Alice Munro uma autora da qual gosto bastante, o Tchekhov canadiano como costuma ser apelidada, mas de quem só tenho um livro na estante, o resto não li em papel. Acho que não é assim muito reconhecida por aqui, também porque algumas pessoas parecem achar que o romance é o feito último da literatura e que quem escreve não-ficção, contos ou poesia não merece um Prémio Nobel. Este livro por acaso é um romance, mas provavelmente não terá a estrutura normal de um.
Voltei à Feira dias depois para aproveitar a hora H e trouxe Poesia e Prosa de Judith Teixeira - há uns tempos o Público lançou colecção chamada Censura no Feminino, andei a pesquisar os nomes e estava lá Judith com a sua primeira colectânea de poemas, Decadência (1923) também incluída neste volume. Uma modernista, os seus livros foram mandados queimar, foi dito que ela não tinha "lugar, abstracta e absolutamente falando" e que era uma desavergonhada. Foi este último que me convenceu. Tenho sempre espaço na estante para desavergonhadas. Meninas é uma espécie de livro de contos, estava dividida entre este ou o Anunciações que na capa diz que é um romance mas está escrito em verso. Por pouco não trazia os dois.
A seguir apanhei uma desilusão: queria o primeiro volume das obras completas da Virginia Woolf mas debalde! Já não havia. Ainda assim pensei que valia a pena levar o segundo especialmente a metade do preço. Há que admitir que o primeiro parece mais apelativo pois além de Mrs Dalloway e do Orlando tem As Ondas e também o do farol. Dos títulos que fazem parte deste nunca li nenhum, embora tenha uma pequena edição de Entre os Actos que comprei em segunda mão. Flush é a biografia de um cão - soa aleatório, mas claro que estamos a falar de alguém que podia escrever sobre qualquer coisa. Como escrever um ensaio inteiro a partir de uma saída de casa para comprar lápis.
Nova volta pelos descontinuados e de lá vieram A Filha do Optimista da Eudora Welty (já li, mas não em papel. Gostei bastante na altura), Histórias Naturais de Clara Pinto Correia, só custou três euros, e os Contos de Dorothy Parker. Foi um bom passeio e fiquei contente com o que trouxe - com certeza boas experiências de leitura se proporcionarão.