Escrita e Mentalidade
Não consigo deixar de ficar espantada quando leio um livro de um autor de uma época longínqua tipo século XVIII ou XIX e constato que aquelas personagens femininas têm mais carácter que muitas que se vêem hoje. Nem sempre são badass no sentido do termo: podem ser tolinhas, doces, más (ou tudo isto ao mesmo tempo) mas não se esquecem logo assim que se vira a página. Acho que já falei disto aqui, mas a verdade é que ainda não encontrei explicação para este fenómeno de apagamento das personagens femininas ou da sua transformação em apêndices sem interesse numa altura em que se pode escrever sobre tudo - não é como se fossemos levados a tribunal por escrever um livro com cenas de adultério. E depois há aquela: sim elas são fracas, mas é um romance de época...É compreensível. Pode ser, mas depois de ver este argumento tantas vezes repetido pergunto-me se o problema é a época ou é a mentalidade do autor. Quem vir pode pensar que só muito recentemente as mulheres aprenderem a somar dois mais dois. Não é como se, por exemplo, o primeiro romance da História não tivesse escrito por uma mulher (Murasaki Shikibu, 1008) ou a primeira obra de ficção cientifica (Mary Shelley, 1818) ou a tecnologia que deu origem ao wi-fi (Hedy Lamarr, anos 40) ou que o primeiro programador da História também não tenha sido uma senhora (Ada Lovelace, 1815-1852). É esse efeito propositado ou apenas um mau trabalho de construção das personagens? Pois é...Um assunto não existe só porque não encontramos muita informação sobre ele. É paradoxal que agora que se fala tanto em igualdade pareça existir em alguns aspectos um retrocesso...Não apenas quando o assunto é igualdade: pessoas que não vacinam os filhos? Não me espantaria sair agora à rua e encontrar cartazes a dizer que tomar a pílula faz de mim uma assassina. Uma vez encontrei esta ideia na zona de comentários de um jornal.