Estou a ler Ru de Kim Thúy, uma autora canadiana nascida no Vietname. Tinha pensado lê-lo durante a volta ao mundo, mas acabei por escolher outro - tenho vários livros nessa situação que acabaram por não ser incluídos, ou seja, o desafio acabou mas deixou-me com "bilhetes" para voltar a vários países. Ler coisas de sítios diferentes é sempre tão prazeroso, há tanta coisa para aprender - a minha ignorância está constantemente a ser exposta. Estou a gostar bastante e conto acabá-lo em breve. O outro é o que vou ler a seguir, não sei do que se trata, não tem sinopse - penso que é um dos títulos que um dia pesquei do lixo e que arrumei na caixa. Não tenho espaço na estante para todos os livros por ler, alguns estão numa caixa que já apareceu aqui no blog várias vezes. Constato agora como ela parece sempre igual, mostra a minha falta de atenção para com estes renegados...Entretanto continuo a actualizar o diário de leituras, tem sido divertido mas está um bocado atrasado. Têm existido alguns problemas virais, mais não é preciso dizer, então não tenho tido muita paciência.
Conforme tinha dito num post anterior, terminei Dias de Abandono da Elena Ferrante. Acho que o problema é que tinha lido que o livro era bem forte e cru, e é em partes, mas empalidece um pouco por exemplo quando penso no A Paixão Segundo Constança H. que tem um tema mais ou menos similar e cujas emoções retratadas são tão violentas, Maria Teresa Horta é mesmo uma autora fora de série. As comparações são sempre injustas. É um nadinha repetitivo em certas partes e em outras arrasta-se também um nadinha, embora não seja um livro grande. A imagem dos pedaços de vidro no molho bolonhesa vai-me ficar na memória ...Não que eu seja psico, atenção.
Depois deste li mais cinco: foi um final de ano bem preenchido se bem que o último já foi acabado para lá da meia-noite mas isso é um preciosismo. Assim como assim não dava para dormir com o barulho das pessoas na rua - nem tive pensamentos assassinos às cinco da madrugada - então achei melhor aproveitar o tempo. Li: A Paz Doméstica da Teresa Veiga, que não é um livro de contos como os dois anteriores que li mas um romance - com um notável domínio da língua e fina ironia a autora encaixa a história de vida de uma personagem em pouco mais de cem páginas. Inicialmente pode parecer uma história simples, comezinha até mas depois percebemos que afinal estamos perante um jogo literário, com direito a um twist final. Outra escritora fora de série.
Um livro chamado Momo - a primeira vez que me cruzei com ele foi há anos num dos meus manuais de português, numas páginas que tinham sugestão de leitura...Eu achava que se esses títulos estavam ali mencionados é porque deviam ser bons e foi assim que uma vez comprei um livro com poemas sobre gatinhos, que ainda tenho. Do mesmo autor de The Never Ending Story, o alemão Michael Ende, é a história de uma menina órfã que um dia aparece a viver nas ruínas de um anfiteatro romano, as pessoas da cidade revezam-se para que nada lhe falte e ela rapidamente se torna essencial nas suas vidas pois Momo tem um dom muito especial: saber ouvir. As coisas mudam quando surgem uns misteriosos homens cinzentos, de fato e chapéu e sempre de cigarro na boca - o súbito aparecimento de homens de fato nunca pressagia nada de bom e aqui não é excepção. De repente as pessoas passam a andar acabrunhadas e infelizes, sem tempo para nada - nem para conversar com a nossa protagonista que vai ficando cada vez mais sozinha.
Considerado um livro juvenil é ao mesmo tempo uma crítica ao capitalismo selvagem e apresenta-nos um questionamento profundo sobre a natureza do tempo e sobre como este é usado nas sociedades modernas. É incrível pensar que foi escrito há quase cinquenta anos...Mostrando que fiz um esforço para ler escritores a seguir peguei num título de poesia - The Tradition de Jericho Brown, vencedor de um prémio Pulitzer em 2020.
Riddle
"We do not recognize the body
Of Emmett Till. We do not know
The boy’s name nor the sound
Of his mother wailing. We have
Never heard a mother wailing.
We do not know the history
Of this nation in ourselves. We
Do not know the history of our-
Selves on this planet because
We do not have to know what
We believe we own. We believe
We own your bodies but have no
Use for your tears. We destroy
The body that refuses use. We use
Maps we did not draw. We see
A sea so cross it. We see a moon
So land there. We love land so
Long as we can take it. Shhh. We
Can’t take that sound. What is
A mother wailing? We do not
Recognize music until we can
Sell it. We sell what cannot be
Bought. We buy silence. Let us
Help you. How much does it cost
To hold your breath underwater?
Wait. Wait. What are we? What?
What on Earth are we? What?"
Já falei aqui do meu interesse em ler poesia especialmente quando é apropriada por outras vozes, fora do cânone habitual. Neste aspecto esta colecção é especialmente interessante porque o autor usa temas que são comuns na poesia tradicional (flores, amor e morte, mitos e paisagens greco-romanas) bem como estruturas tradicionais (elegias, sonetos) para falar não só dos seus traumas pessoais mas também de questões sociais como o racismo e a violência cometida contra os corpos negros - uma visão simultaneamente negra e queer. São poemas que acertam em cheio nas entranhas do leitor desprevenido, com uma notável riqueza de imagens.
Ganymede
"A man trades his son for horses.
That’s the version I prefer. I like
The safety of it, no one at fault,
Everyone rewarded. God gets
The boy. The boy becomes
Immortal. His father rides until
Grief sounds as good as the gallop
Of an animal born to carry those
Who patrol our inherited
Kingdom. When we look at myth
This way, nobody bothers saying
Rape. I mean, don’t you want God
To want you? Don’t you dream
Of someone with wings taking you
Up? And when the master comes
For our children, he smells
Like the men who own stables
In Heaven, that far terrain
Between Promise and Apology.
No one has to convince us.
The people of my country believe
We can’t be hurt if we can be bought"
Os dois últimos livros foram: O Prazer da María Hesse - não acredito que demorei tanto tempo a pegar nesta pérola que comprei na FL do ano passado. É uma mistura de testemunho pessoal onde a autora fala abertamente da sua sexualidade, factos e personagens tanto reais como Cleópatra, Hedy Lamarr ou Madonna (ou Helen O'Connell, uma urologista australiana pioneira no estudo do clitóris e que em 2005 publicou um trabalho dedicado a essa parte misteriosamente ausente dos livros de anatomia...), como personagens de ficção e mitologia, abrindo com a história de Lilith, esse famoso demónio. As ilustrações são lindas, cheias de flores pois o livro é também um manifesto em favor da sexualidade feminina e do nosso direito de vivê-la e explorá-la em pleno, sem vergonha.
E Vista Chinesa de Tatiana Salem Levy, é sobre uma mulher que numa terça-feira aparentemente normal sai para uma dar uma corrida antes de uma reunião de trabalho no Alto da Boa Vista, um sítio no Rio rodeado pela mata da Tijuca - ao chegar a um dos pontos turísticos, um miradouro chamado Vista Chinesa, é abordada por um homem armado que a arrasta para dentro da mata e a viola.
Mais tarde já com dois filhos ela escreve-lhes uma carta onde fala com agonizante detalhe da sua luta íntima para superar o trauma e lidar com um corpo que foi estilhaçado (não é por acaso que uma citação de Kafka abre o livro - "Escrevo em desespero com meu corpo e com meu futuro nesse corpo"). Estilhaçado por uma violência tão antiga como o mundo, ao mesmo tempo que tem de enfrentar as burocracias policiais e a possibilidade de acusar um inocente, num Rio convulso com as Olimpíadas à porta. É baseado no caso real de uma amiga da autora que foi violada naquele local em 2014. Tão agoniante e tão belamente escrito.
As minhas últimas leituras incluíram duas autoras que desconhecia completamente. Há algum tempo encontrei num blog amigo um link para uma iniciativa do Women's Prize, um conjunto de obras de autoras que publicaram sob nomes masculinos e que podiam ser descarregadas gratuitamente. Eu descarreguei os mais pequenos e devo ter tido sorte pois gostei bastante dos dois que li: Keynotes, um livro de contos de Mary Chavelita Dunne (George Egerton. Melbourne 1859 - Sussex 1945) e Growing Up, uma pequena novela de Natsu Higuchi (Ichiyō Higuchi. Tóquio 1872 - Tóquio 1896). As leituras ainda andam um bocado erráticas e tendo em conta o tempo até ao final do ano (ugh) é melhor abraçar o facto, mas estou a pensar ler Dias de Abandono da Elena Ferrante.
A razão porque não me ouvem a falar desta misteriosa escritora: não gosto muito de livros em série e depois porque o intenso entusiasmo de meio mundo acabou por matar o meu interessante, mas este livro não é muito grande. Também quero ler O Fim do Homem Soviético da Svetlana (vi agora que alguém escreveu na página do A Guerra não Tem Rosto de Mulher que o livro lhe "trouxe uma visão mais "adocicada" do exército soviético". Não seria esta a primeira palavra que me ocorreria, mas sou frequentemente surpreendida por coisas que pessoas escrevem na Wook...). Também me surpreende que haja gente a queixar-se do outono, quando nem sequer está frio. Já devíamos estar a dormir debaixo de cobertores, este tempo tem sido uma trapaça. E estamos a muito pouco tempo de gente se irritar com esta coisa americana das abóboras e tal e demandarem que voltemos às tradições verdadeiramente portuguesas. Também é sempre engraçado.
Feminista * plus size * comenta uma variedade de assuntos e acha que tem gracinha * interesse particular em livros, História, doces e recentemente em filmes * talento: saber muitas músicas da Taylor Swift de cor * alergia ao pó e a fascistas * Blogger há mais de uma década * às vezes usa vernáculo * toda a gente é bem-vinda, menos se vierem aqui promover ódio e insultar, esses comentários serão eliminados * obrigada pela visita!
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.