Resumo das últimas leituras, que calharam a ser de quatro géneros diferentes
.Poesia
Amargos Como os Frutos, Ana Paula Tavares: o meu amor pela poesia era morno, gostava mas lia muito pouco. Mas como se tem visto, um dos efeitos deste desafio tem sido levar-me a ler mais deste género e foi com interesse que peguei neste conjunto que reúne seis títulos de poesia desta autora angolana - Ritos de Passagem (1985); O Lago da Lua (1999); Dizes-me Coisas Amargas Como os Frutos (2001); Ex-Votos (2003); Manual Para Amantes Desesperados (2007) e Como Veias Finas na Terra (2010). Comecei com interesse e só posso dizer: acabei maravilhada.
.Contos
Com Esta Chuva, Annemarie Schwarzenbach (Suíça): um conjunto de quatorze contos cujas personagens são na sua maioria europeus e americanos que estão em trânsito por regiões do médio oriente ou que vivem lá seja por trabalho ou por mais íntimas razões, numa altura em que a Europa mergulhava na Segunda Guerra. Achei interessante, embora não memorável.
jagannath, Karin Tidbeck: Pessoas que se apaixonam por zepelins e outras que sobrevivem dentro de criaturas num futuro pós-apocalíptico, mulheres que criam vida em latas com o seu sangue menstrual, há estranhos avistamentos nas florestas da Suécia e não menos estranhos hábitos alimentares numa terra onde o tempo não funciona - são algumas das coisas que podemos encontrar neste conjunto de contos de ficção-especulativa. Muito bom.
.Memórias
Knitting the Fog, Claudia D. Hernández: a relação, por vezes tumultuosa, entre mães e filhas, resiliência e poder feminino marcam este livro de memórias. Uma combinação de prosa e poesia, onde a autora conta a sua infância passada numa pequena vila da Guatemala, marcada pela forte presença da sua avó, tias e a mãe que consegue passar para a América quando Claudia tem sete anos. Três anos mais tarde ela empreende de novo a mesma viagem mas desta vez acompanhada pelas filhas. Uma longa jornada, perigosa e incerta em autocarros e até barcos lotados para conseguir chegar à Califórnia. Ali Claudia tem de se adaptar a uma realidade bem diferente.
Guerreiras da paz: Como a solidariedade, a fé e o Sexo Mudaram Uma Nação em Guerra,Leymah Gbowee: a inspiradora biografia da mulher que em 2011 recebeu o Prémio Nobel da Paz pelos seus esforços para acabar com mais de uma década de guerra na Libéria. Convencida de que os enormes sofrimentos e abusos vividos pelas mulheres durante a guerra não podiam ser ignorados e que a sua participação no processo de paz era essencial - e que se as mulheres se juntassem podiam formar uma onda de poder imparável - ela liderou um movimento feminino com milhares de participantes que organizou diversas formas de protesto exigindo paz, o que veio a acontecer em 2013.
.Romance
Rua Katalin, Magda Szabó: a história de quatro personagens que se conhecem em crianças, durante os anos trinta enquanto vivem numa rua de Budapeste junto ao Danúbio, a rua que dá título ao livro. E como as suas vidas e relações são irremediavelmente marcadas pelos acontecimentos históricos - a invasão nazi, a guerra, a ocupação soviética e a revolução de 1956...No início a leitura não me estava a dizer muito, mas acabei por gostar bastante.
Convenience Store Woman, Sayaka Murata: a história de Keiko, uma mulher de 36 anos que trabalha numa loja de conveniência, no Japão são chamadas konbini e são um pouco diferentes do que estamos habituados aqui. A nossa personagem sempre foi um pouco estranha e nunca se conseguiu inserir em lado nenhum, excepto na loja. A loja é o seu único interesse, mas conforme o tempo passa a pressão para casar e\ou arranjar um emprego melhor vai sendo cada vez maior. Tenho de admitir que fiz um sorrisinho quando vi na capa uma citação elogiosa de Sally Rooney...Não gostei nada deste livro.
O Pomar das Almas Perdidas, Nadifa Mohamed: um livro duro passado à beira do começo da guerra civil na Somália (1991-) que se centra em três personagens de diferentes proveniências - uma viúva que tragicamente perdeu a sua única filha, uma militar zelosa e uma rapariga órfã deixada num campo de refugiados, e em como as suas vidas se cruzam mudando para sempre.
I, Tituba, Black Witch of Salem, Maryse Condé (Guadalupe): recriação dos famosos acontecimentos de salem mas da perspectiva de uma personagem frequentemente esquecida: uma mulher negra chamada Tituba, escrava na casa de um reverendo puritano na vila de Salem. Quando as duas filhas e uma sobrinha do reverendo começam a comportar-se como se estivessem possuídas, Tituba é a primeira mulher a ser acusada de bruxaria. Mais tarde beneficia de um perdão e é solta nada mais se sabendo sobre ela. Maryse faz Tituba ganhar vida ao mesmo tempo que aborda os temas do racismo, misoginia e intolerância.
Corpos celestes, Jokha Alharthi: história centrada numa família que vive em al-Awafi, uma aldeia no omã, especialmente em três irmãs - Asma casada com um poeta egocêntrico, Mayya uma rapariga quieta e com jeito para a costura que casa com um homem que não é aquele que secretamente ama e Khawla que rejeita todas as propostas porque está à espera que o seu amado regresse do Canadá. As suas vidas e os seus desgostos bem como a vida de outras pessoas à volta desenrolam-se ao longo dos anos tendo as mudanças políticas e sociais do país como pano de fundo. Um livro muito rico e um tanto desafiante ao início pois a narrativa não é linear, mas vale a pena o esforço.
Aya De Yopougon vol. 1, escrita de Marguerite Abouet (Costa do Marfim): Banda desenhada sobre uma rapariga de dezanove anos chamada Aya, séria e estudiosa com o sonho de se tornar médica apesar de objecções alheias, também é sobre as suas amigas festivaleiras e a vida em Yopougon, ou Yop City para parecer como num filme americano, um bairro em Abidjan no final do anos setenta. Tem um tom leve e divertido.
Oksana, Behave!, Maria Kuznetsova (Ucrânia): história de uma rapariga chamada Oksana que se muda com a família de Kiev para a Florida e que vamos acompanhando ao longo da vida, pareceu-me interessante mas acabei por não gostar - achei superficial e aborrecido mas o principal problema é que a nossa personagem é super tóxica e insensível e tem o mesmo carisma que um limão seco.
Rumo a Casa, Yaa Gyasi: saga familiar que começa no século XVIII na Costa do Ouro com duas irmãs nascidas da mesma mãe mas em aldeias diferentes e cujo destino é também diferente - Effia é vendida em casamento a um inglês comerciante de escravos e passa a viver num castelo junto ao oceano, sem saber que nas masmorras desse castelo está presa a sua irmã Esi, pronta a ser enviada para América. A seguir acompanhamos os seus descendentes em ambos os lados, América e Gana, até aos dias de hoje.
Estava a pensar guardar a resposta à pergunta: será que existem autoras suficientes para se fazer uma volta ao mundo em livros? - para quando chegar a altura de fazer o balanço do desafio, mas acho que já posso adiantar uma pista. Dado o ambiente patriarcal onde crescemos, o primeiro impulso talvez seja responder à pergunta com um não. Mas como em tudo o resto, também aqui o patriarcado está errado e a prova é o quão assoberbada estou neste momento pelo que ainda tenho por ler. Penso que a lista está a diminuir e fico contente. Mas logo a seguir descubro que, por exemplo, tenho uns cinco livros de autoras das Caraíbas ainda por ler.
Também acabo de verificar que certos livros que tenho em espera são enormes - trezentas páginas ou mais num ecrã é duro. Tenho pena de deixá-los de fora. (quatro títulos de autoras africanas estão nesta situação...Chateada). E é preciso contar com os novos em papel que trouxe da Feira do Livro, sem dúvida teria dado jeito se ela tivesse acontecido um bocadinho mais cedo (digamos que encontrar autoras de países diversos na FL não foi assim tão difícil...). E não é meramente uma questão de preencher espaços num mapa - é que são tudo leituras que me parecem realmente interessantes e me entusiasmam. Pois a ideia de que para lermos coisas que não tenham sido escritas por homens brancos temos de abdicar da qualidade - não. Mas é que nem pensar.
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