No Seu Mundo
No Seu Mundo de Jodi Picoult
Jacob Hunt é um jovem de 18 anos que tem Síndrome de Asperger. A sua vida rege-se por regras rígidas e inflexíveis, por exemplo, todos os dias às quatro e meia em ponto tem de ver “Crime Busters” (é obcecado por ciência forense). Qualquer mudança na sua rotina faz com que entre em crise. Porém, a rotina de Jacob altera-se subitamente quando a sua professora de competências sociais, Jess Ogilvy, desaparece e é encontrada mais tarde morta. Nessa altura as peculiaridades de Jacob (os tiques, não olhar as pessoas nos olhos), transformam-no em culpado para a polícia, mas terá mesmo Jacob matado Jess? Fiquei desiludida com a forma como a autora tratou o tema…
Em primeiro lugar ela passa a falsa ideia que todos os aspies [é um termo carinhoso usado para designar as pessoas com Asperger] são iguais. Não é verdade. Nem toda a gente separa a comida por cores ou fica em estado de pânico cada vez que uma folha é amachucada. Embora existam certas características padrão identificadoras da Síndrome, há pessoas com dificuldades mais numas áreas do que noutras. Também há pessoas que são afectadas pela síndrome de forma mais ligeira e provavelmente nunca chegarão a ser diagnosticadas, enquanto outras são afectadas de forma mais grave. Portanto, não existem dois aspies iguais. As coisas não são tão redutoras e estanques como parece na história. Actualmente, a Síndrome é considerada um subgrupo do espectro Autista e tem critérios de diagnóstico específicos. Ora, a autora mistura tudo.
Na pág. 586 diz isto: “demos-lhe as vacinas, e passado uma semana este rapazinho tão amoroso, interactivo e verbal deixou de ser a criança que eu conhecia”. Como que pode ser se no DSM.IV, na parte correspondente á Síndrome de Asperger, diz: “Não existe um atraso clinicamente significativo no desenvolvimento cognitivo ou no desenvolvimento de habilidades de auto-ajuda apropriadas à idade, comportamento adaptativo (outro que não na interacção social) e curiosidade acerca do ambiente na infância”? Mais: “Contrastando com o Transtorno Autista, não existem atrasos clinicamente significativos na linguagem”.
Esta última citação entra em contradição com isto: “Mas eu já tinha reparado que com a terapia comportamental e da fala, Jacob tinha começado a comunicar outra vez”. Além disso, a Síndrome começa a evidenciar-se, principalmente, a partir dos seis anos quando se entra para a escola (dificuldades na interacção com os outros, na motricidade...). Assim, não se percebe isto: "Eu era uma mãe solteira com um recém-nascido, e um filho de três anos que de repente desenvolveu um comportamento autista" (pág. 585). Ou seja, Jacob parece apresentar todos os traços típicos do autismo clássico e não de Síndrome de Asperger. Além de ter as características mais extremistas da síndrome convém dizer que Jacob as tem TODAS! E toma TODOS os medicamentos possíveis! É uma personagem meramente académica e irrealista.
Pior: Picoult acabou por criar uma personagem que é um verdadeiro coitadinho: "não consegue fazer"; "Não compreende"; "é incapaz de" são termos enfrequentes ao longo do livro. A verdade é que os aspies podem ter uma vida normal, casar, ter filhos, um emprego, podem frequentar o ensino...Podem ser úteis. Mesmo nos casos mais graves pode haver inserção no mercado de trabalho, claro que com um maior apoio. É certo que os miúdos aspies lidam mal com o erro, tendem para a teimosia e gostam de fazer as coisas ao seu jeito…Mas também têm um curioso sentido de humor, grande respeito por regras e sobretudo uma forma de pensar que pode ensinar aos outros mais do que aquilo que eles pensam. Depois há coisas de simples mau gosto – “lembro-me daquela vez em que abraçou um hamster até o matar”; “olho para o meu filho e vejo um monstro”…Estamos a falar de um aspie ou do Dexter? E para que trazer átona a conversa das vacinas quando nem se sabe se isso é verdade?
Porém, não há só pontos negativos neste livro: algumas coisas relacionadas com a Síndrome estão correctas e são bem descritas. A autora continua a dar-nos descrições belíssimas das dificuldades da maternidade e a criar mães que se superam a si mesmas em favor dos filhos. Theo é para mim a personagem mais credível e mais interessante. A autora conseguiu retratar muito bem os seus sentimentos de rejeição e raiva. Em termos do mistério, eu gostava de saber porque é que nunca se pergunta ao Jacob o que é que se passou ao certo. Se ele nunca mente (outra incorrecção: claro que os Aspies mentem!) não seria difícil arrancar-lhe a verdade não? Mas infim, é um enredo que prende minimamente o leitor com intercalação das várias vozes a quebrar a monotonia da história. Só fiquei com pena que o pai de Jacob (Henry) apareça tão pouco…Era uma voz interessante que merecia ser explorada. Concluindo: Picoult não deixou de escrever um livro com enredo interessante e com alguns excertos bastante poéticos, mas falhou em termos de pesquisa e compreensão do tema tratado.