O consentimento é uma coisa atraente
Estava a pensar numa coisa que li: que o consentimento é uma coisa sexy. Concordo e tenho pena que durante os meus anos de formação (expressão estranha, não é como se não estivéssemos sempre em formação) este tema tivesse tão pouco espaço - pelo menos do que me lembro. Entretanto, quando comecei a ler sobre feminismo e dentro dele a ler sobre violência e abuso comecei a perceber que os sinais de alerta eram muitas vezes aquilo que a sociedade dizia que eu devia achar atraente.
E também cheguei à conclusão que o padrão de comportamento ditado para os rapazes se tornarem homens a sério, não só não os torna a sério como tem forte potencial para os transformar em monstros. É curioso porque enquanto pequenas lemos sobre monstros debaixo da cama, mas depois somos ensinadas a amar os reais que podem aterrar em cima. Não é de espantar que algumas pessoas se chateiem com esta ideia de que agora é preciso pedir autorização para tudo, dizem que o amor e a arte da sedução estão em risco. É inquietante a continua existência deste conceito distorcido em que o amor não existe sem impormos a nossa vontade e forçando o outro.
(Tirado daqui)
Mas isto é algo fácil de interiorizar, basta na pensar na quantidade de conteúdos que promovem a ideia de que as mulheres nunca dizem que não, é sempre um sim disfarçado e assim torcemos para que o herói consiga convencer a casmurra e obter o santo graal, altura em que deitamos uma lagrimita porque é tão fofo. Passamos incontáveis horas a assistir a mãos não solicitadas em sítios, a beijos roubados e a admirar personagens masculinas que exsudam confiança e não pedem licença para nada porque não são nenhuns...Bem, já deu para perceber. Que domínio, que dureza - não é tão sexy? Alguns no fim descobre-se que até têm coração, que pena que na vida real uma mulher vá parar debaixo da terra antes de conseguir descobrir o dito.
Culpa dela que não cumpriu a sua obrigação de tornar o companheiro uma pessoa melhor, claro. No extremo podemos pensar no tempo que passamos fascinados com a mente dos psicopatas, que os filmes têm uma tendência inquietante de fazer parecer atraentes...Na verdade, a grande maioria simplesmente odiava mulheres. Não é assim tão profundo, podem parar esse documentário que estavam a ver no Youtube (Be there done that) e aproveitem antes para encomendar o Desaparecer na Escuridão da Michelle McNamara. Talvez digam que uma mãozita atrevida não é o mesmo que uma violação - de certeza que não é tudo parte do exacto problema?
(Tirado daqui)
A razão porque decidi num post que também escrevi sobre este assunto incluir uma cena de O Ódio Que Semeias - em que o namorado da protagonista lhe diz que aquela não é a melhor altura para fazerem sexo apesar de ela querer, porque ela esta a passar um difícil período emocional - não é porque me faltasse texto, mas é tão raro encontrar este tipo de situação. É algo que me deixa perplexa, e na verdade não é que o gesto merecesse aplausos, chama-se apenas ser um ser humano decente.
No entanto, aqui estamos nós (a seguir ao livro da Michelle podem encomendar este da Angie Thomas) e quantas pessoas diriam que o protagonista foi idiota em não aproveitar a oportunidade? O que mais lhe pode interessar do que isso? Quando é que vamos colectivamente aceitar que coisas como o respeito e a gentileza são sexy? Ter um coração funcional, sem subterfúgios, é sexy.
"I found out love has to be soft to be strong
Soft to be strong, soft
I believe the world is beautiful
Only the weak ones are cruel"
Também me parece que as pessoas que dizem que agora tudo é errado, desconsideram isto: assédio sempre foi errado, mas a diferença é que antes não havia nenhumas consequências. E como agora há (e ainda assim tão poucas e tão leves) alguns senhores acham que estão a ser oprimidos. Não estão. Chama-se progresso.