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Desabafos Agridoces

"Enfim, bonito e estranho, desconfio que bonito porque estranho"

Desabafos Agridoces

"Enfim, bonito e estranho, desconfio que bonito porque estranho"

Parece pouco mas não é

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Eu sei que continuam a fazer sucesso as sagas literárias que nunca mais acabam mas não desfazendo, outro dia estava a olhar para a minha estante e pensei que tem de existir um talento incrível para se conseguir escrever livros deste calibre com pouco mais de duzentas páginas. Já não é a primeira vez que penso isto, mas agora acrescentei outro pensamento: o único problema é que por serem fininhos estes livros não são tão bons para atirar à cabeça das pessoas que dizem que há poucas autoras portuguesas que prestem.

 

As estátuas precisam de continuar a cair

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Vejo muitas vezes gente orgulhosa pelo português ser falado em vários países, mas vejo muito menos gente a discutir como a língua portuguesa foi imposta, tornando-se um instrumento de submissão e controlo e assim ajudando a perpetuar o colonialismo. Falar de colonialismo é também falar de coisas que parecem benignas e normais, desconstruindo o que está por trás. Não pude deixar de me lembrar da questão das estátuas. Fazia tanta falta debater seriamente como elas podem ser instrumentos de opressão e de manipulação da História.

 

É curioso que tantas pessoas tenham saltado logo a dizer que tais estátuas não têm mal nenhum e que vandalismo bárbaro atirá-las ao rio. Ou que não têm assim tanta importância. Ora, se não têm e isto é tudo um exagero porque é que quando se fala em homenagear alguém há sempre quem sugira uma estátua ou um busto...Ou dar esse nome a uma rua ou a um aeroporto? Não é porque achamos que essa pessoa contribuiu para o país com os seus talentos e arte, então merece ser homenageada e merece que as gerações vindouras conheçam o seu nome? Um exemplo? A verdade é que quando se ergue uma estátua de alguém, uma escolha foi feita e essa escolha vai projectar uma ideia da História. 

 

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(Protesters throw statue of Edward Colston into Bristol harbour)

 

Não é de admirar a tendência dos ditadores de se espalharem, a si e aos seus símbolos, por todo o lado. Não será por mera opção estética que a Coreia do Norte está cheia de estátuas dos líderes...Não é apenas uma questão de culto do líder mas também de construir uma versão histórica que sirva os seus propósitos, não importa quão distorcida essa versão seja.

 

Há efectivamente um impacto e é estranho ignorá-lo  porque não nos agrada que o racismo esteja em debate...Lembro-me de ter consultado, já não sei em que ano, as propostas mais votadas no orçamento participativo da CML e duas eram monumentos de homenagem. E acabo de descobrir agora que em 2017 foi aprovado que a Praça do Parlamento em Londres iria ter a primeira estátua de uma mulher, da sufragista millicent fawcett - agora imaginem-se a passear num jardim entre várias estátuas de pessoas célebres e não há nenhuma mulher...Que imagem passa?

 

Talvez nem nos apercebamos da ausência e isso por si só já diz muito. Também é estranho que a primeira pergunta de muita gente seja: mas porque é que estão arrancar a pobre estátua? E não: porque é que aquilo está lá em primeiro lugar? É uma táctica clássica: é muito mais fácil apontar que coisas como quotas ou autocarros só para mulheres são medidas ridículas do que analisar o que leva a que tenham de ser aplicadas...Na verdade, tudo serve para desviar a conversa. Para as feministas isto é o quotidiano:  quase terem de pedir desculpa por falar de igualdade porque alguém em 2012 viu um vídeo de um minuto de uma rapariga a dizer que os homens deviam morrer.

 

"(...) we need to ask ourselves, are the white men we choose to commemorate the people we truly want to celebrate? Are their deeds the stuff of heroism? Do these statues inform? Do they educate? Do they help us be the nation we imagine ourselves to be? Do they move us closer to justice?"

(Tirado daqui)

 

E sim, pobres estátuas porque me pareceu que havia gente a mostrar mais pena pelas ditas estarem a ser atiradas à água do que pelos seres humanos que foram escravizados ou pelos que continuam a morrer nas águas do Mediterrâneo e a serem metidos em campos de concentração. A língua e as estátuas são coisas que funcionam como agregadores da identidade nacional e mexer com isso provoca um frisson...Mas ignorar a fotografia completa da História do vosso país em favor de uma imagem cortada ou decorada com estrelinhas não vai conduzir ao progresso, bem pelo contrário. E para erguer de novo aquele retrato já temos voluntários que chegue. A cara pode mudar mas é claro que o cheiro é sempre o mesmo.

 

 

Faz-me lembrar quando partilhei aqui a notícia de que a estátua do beijo representando a famosa foto tirada nas celebrações do fim da Segunda Guerra, tinha sido vandalizada. Houve quem tivesse ficado irritado porque se não é uma estátua tão bonita e romântica, pelo menos nada de mal ela tem. Isto mostra como os grupos dominantes conseguem manipular a História - e melhor para eles que continuemos aqui a achar tudo normal. Uma normalidade assassina. Pode-se argumentar que a foto não vai desaparecer. É verdade. Provavelmente nem o Portugal dos Pequenitos ou o Padrão dos Descobrimentos. Mas podemos fazer o que esses monumentos não fazem: procurar pelo resto da fotografia (fora da História oficial) e falar sobre isso.

 

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(Harriet Tubman projected onto the Robert E. Lee monument in Richmond, Virginia)

 

Claro que falar de genocídios, roubos e violações em massa não é lá muito engraçado, mas esta foi a verdade para milhões de seres humanos cujas histórias não podem ser ignoradas em favor de uma ilusão colectiva de grandeza mística que tresanda a mofo. Há quem se escude no argumento de que estas estátuas têm um valor educativo e histórico que não pode ser apagado - bastante irónico, devo dizer. Depois de séculos a apagar da História a experiência de quem não é um homem branco, querer um símbolo racista fora do espaço público é apelidado de censura. E podemos ver o nível de valor educativo pela imagem que ilustra o artigo australiano que citei - a estátua de James Cook que continua a ter a legenda: "Discovered this territory 1770". Claro que as estátuas são parte de um sistema e isto lembra-me outro argumento: que tudo isto é passado, temos é que avançar.

 

Uma ideia perigosa pois cega para o facto de o racismo e as desigualdades que existem hoje terem raízes no passado. Se menciono aqui o facto de as mulheres durante tanto tempo terem sido excluídas das universidades não é por simples arrelia, é porque isso teve impacto no fosso que existe hoje entre géneros. Como compreender este fosso sem olhar para trás? Não dá. E daí emergem as ideias que este fosso não é real, que é criado por diferenças biológicas...E assim é com o racismo. É preciso debater o passado colonial e os mitos criados à sua volta para se entender o racismo hoje. Este argumento culpa as vítimas: elas é que estão a causar confusão, em vez de estarem quietas...E mostra algo que também está base de tudo isto: a completa falta de empatia para com o outro.

 

Listas e mais listas

. Estive a actualizar a minha lista para a Feira do Livro, apesar de ainda não sabermos como é que tudo se vai processar. A primeira versão estava uma bagunça, mas consegui reduzir para dez livros - todos de autoras que não nasceram nos Estados Unidos ou Inglaterra. Fiquei contente. 

 

. O único que tenho na lista e que não está em promoção é O Prazer da María Hesse. São quase vinte euros, mas qualquer pessoa que olhar para ele vai perceber porque é que este é um caso de: cale-se e pegue o meu dinheiro!

 

. Imprimi a lista com todos os livros que tenho por ler, sublinhei os que servem para o desafio deste ano e contei. Quando o número começou a passar dos quarenta percebi que devia ter deixado a lista quieta pois agora estou em pressão. 

 

. Comprei Corpos Celestes da Jokha Alharthi. A capa é linda e o livro parece promissor. 

 

Acho que o meu pc vai ter que ir para arranjar, um clássico. Não deve demorar menos de um mês, mas estou a contar conseguir vir aqui...Ele funciona mas não carrega e eu pensei logo em mandá-lo arranjar agora não vá acontecer outro confinamento. Nunca pensámos que teríamos de incluir a possibilidade de pandemias ao planear coisas. 

 

Quem Escreve Aqui

Feminista * plus size * comenta uma variedade de assuntos e acha que tem gracinha * interesse particular em livros, História, doces e recentemente em filmes * talento: saber muitas músicas da Taylor Swift de cor * alergia ao pó e a fascistas * Blogger há mais de uma década * às vezes usa vernáculo * toda a gente é bem-vinda, menos se vierem aqui promover ódio e insultar, esses comentários serão eliminados * obrigada pela visita!

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