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Desabafos Agridoces

"Enfim, bonito e estranho, desconfio que bonito porque estranho"

Desabafos Agridoces

"Enfim, bonito e estranho, desconfio que bonito porque estranho"

Um mundo ao contrário...Ou não

É muito frequente as pessoas dizerem coisas como - "concordo contigo, mas não te esqueças que as mulheres também fazem y e z" ou "ao dizer isso estás a ser sexista para com os homens". Há quem use isto numa tentativa de invalidar argumentos feministas. Acho que vale a pena nos debruçarmos sobre esta questão. Será que existe sexismo ao contrário? Podemos dizer que certo livro ou filme é racista em relação a brancos? Na minha opinião a resposta é não. A violência de género e racial tem características específicas que não se aplicam se invertidas. 

 

1.Todos os dias em todo o lugar

 

A violência contra as mulheres não é algo esporádico nem específico de um certo período ou local. É algo que acontece todos os dias em enorme escala ao redor do globo - século após século...Está entranhada no tecido social. Por isso é considerada normal e não é sancionada. Há quem diga que nos devíamos era preocupar com as mulheres que são realmente abusadas em alguns países - nunca percebi esta ideia de ser cego perante os problemas de género que estão debaixo do nariz, como se houvesse um machismo mais suave. Não há. E também há quem sofra de amnésia esquecendo-se que aqui mesmo há relativamente poucos anos uma mulher era um nada perante a lei. As experiências de descriminação são semelhantes onde quer que se esteja.

 

Escolha a sua preferida!

 

O Código Civil (1966) estabelecia que "a falta de virgindade da mulher ao tempo do casamento" podia ser motivo para a sua anulação. Os contraceptivos não podiam ser tomados contra a vontade do marido, que podia alegar este facto para pedir o divórcio

 

Antes de 1969 as mulheres não podiam viajar para o estrangeiro sem a permissão escrita do marido ou do pai

 

Até 1975  o Código Penal consagrava os “crimes de honra”, permitindo que um marido ou pai matasse a mulher adúltera ou as filhas menores de 21 se “corrompidas” com castigo máximo de 6 meses de desterro da comarca. Quando se tratava de um marido a prostituir a mulher a pena era igualmente inócua: desterro, multa e perda de "direitos políticos por 12 anos"

 

Até 1976 os maridos tinham o direito de abrir a correspondência das mulheres

 

Os maridos podiam impedir que as esposas trabalhassem. Só depois do 25 de Abril as mulheres se puderam candidatar à magistratura judicial, ao ministério público, aos quadros de funcionários da justiça, a todos os cargos de carreira administrativa local e carreira diplomática. Só mulheres solteiras podiam ser enfermeiras, telefonistas ou hospedeiras. 

 

 

2. Todas somos um alvo 

 

Tal como o racismo e a homofobia, a violência contra as mulheres não visa este ou aquele indivíduo - é um esforço concertado para forçar à submissão e ao silêncio um género inteiro. Não é apenas quem vive ao nosso lado, são todos os que pertencem a esse grupo na cidade, no país...Não há escapatória

 

3. Com muito poder vêm muitas tragédias

 

Outro aspecto fundamental para entender porque a misoginia tal como o racismo e a homofobia não funcionam em reverso é este: são demonstrações de dominância de um grupo sobre outro. Ora, quem domina? Quem detém o poder. E quem detém o poder? Homens brancos.

 

Encontre o Wally!

 

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(Do filme Hidden Figures)

 

Vocês podem ter preconceitos. Podem odiar homens e decidir que têm de expressar isso. Mas qual vai ser o impacto? Pouco ou nenhum. Só que enquanto expressam essa opinião há um grupo de homens brancos numa sala a fazer uma lei para eliminar o planeamento familiar e a desejar que a violação se torne legal. Nunca em momento algum mulheres ou minorias tiveram uma tal concentração de poder e representatividade que lhes permitisse influenciar negativamente e de forma profunda a vida de outros, como homens brancos fazem desde sempre. É por isso que a diversidade é tão importante: para que o poder fique distribuído em vez de concentrado. E para que outros também tenham voz.

 

4. Um campo minado

 

Esta dominância é exercida tanto de formas directas como indirectas. Quanto mais obstáculos forem colocados no caminho de mulheres e minorias menos conseguirão chegar a cargos de decisão e assim o poder continuará nas mãos do mesmo grupo privilegiado. Ao olharem para um qualquer painel só composto por homens brancos não pensem que eles estão ali exclusivamente por mérito. Quanto mais as mulheres forem mantidas na pobreza e na iliteracia mais fáceis serão de controlar. Quem quer um escravo que saiba ler?

 

E quanto menos conscientes estiverem do seu valor melhor - vai ser isso que irão transmitir às filhas continuando o círculo vicioso de opressão. A misoginia usa a violência física e a lei, mas também actua a nível psicológico no dia-a-dia. Os resultados são devastadores pois afectam não apenas aquela geração de mulheres mas igualmente as seguintes como um campo minado que ainda mata muito depois de terminada a guerra. É uma violência que actua de modo profundo a longo prazo.

 

Uma menina, mesmo que nasça numa bem equipada maternidade de um país desenvolvido já está em desvantagem à partida - desvantagem esta que vai aumentando ao longo da vida. A sociedade tenta provar que estes obstáculos são imaginários, que vivemos na tal meritocracia e que portanto a falta de representatividade é culpa das mulheres, menos dotadas para certas áreas. Pensando bem que outra explicação poderia haver...

 

 

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(Notícia de 07/08/2018. Completa aqui

 

 

 

5. O que é liberdade? Viver sem medo

 

O medo é uma arma de opressão e subjugação por excelência. Podemos pensar que depois de uma mulher ser abusada num campo universitário é normal que as outras comecem a  tomar precauções. O que sucede é que as mulheres limitam a sua experiência do mundo desde meninas mesmo antes de terem contacto directo ou indirecto com uma situação de abuso. Elas sabem que devem andar em grupos, que devem mudar de rua, que não devem aceitar qualquer copo de bebida, etc,etc...

 

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(Young girl in a school for black civil rights activists in 1960

being trained to not react to smoke blown in her face)

 

Elas sabem que podem ser as próximas. Que os seus filhos podem ser os próximos a ser brutalizados no meio da rua. E levantar a voz é perigoso e tem consequências. Homens brancos não passam por este tipo de medo. Eles não limitam a sua experiência depois de tomarem conhecimento de um caso de abuso e ficam genuinamente espantados quando sabem das múltiplas precauções que nós tomamos. Porque cresceram num mundo que diz que o espaço todo lhes pertence, que não há porque aquela porta não estar aberta...A ideia de deixar de dizer alguma coisa por medo ou por achar que ninguem vai ouvir, ou não ter controlo sobre o próprio corpo nem sequer se coloca. Ao contrário do que tem sido dito recentemente: Eles nunca estiveram em perigo nem estão.  

 

6. Feminismo é a palavra

 

A violência contra as mulheres cria problemas que nos são específicos - é por isso que a palavra deve ser feminismo [interseccional] e não igualitarismo ou que quer que seja que tenham inventado agora. Precisamos de livros e filmes sobre personagens femininas porque são elas que são apagadas da História. Não precisamos de um dia do homem nem de livros com personagens masculinas (embora ambas as coisas existam), porque todos os dias são dias do homem e nunca as conquistas deles deixaram de ser celebradas. E que as vidas brancas importam já toda a gente sabe

 

Não tem sentido alguém ficar ofendido quando se fala em misoginia e em violência contra as mulheres. Nos últimos tempos o feminismo tem chamado a atenção para o problema da masculinidade tóxica. É importante que se perceba como o conceito tradicional do que é ser homem e do que é ser mulher nos torna infelizes e a responsabilidade que tem na agressividade masculina e nas taxas de suicídio, por exemplo. Escrevi sobre isto neste texto.

Histórias para Raparigas Rebeldes

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A esta altura já toda a gente ouviu falar ou já viu à venda o livro Histórias de Adormecer para Raparigas Rebeldes que foi lançado em 2016 depois de uma campanha triunfante de crowdfunding no Kickstarter que o tornou o livro que arrecadou maior valor na história do financiamento colectivo - um milhão de dólares e 20,000 apoiantes. Vendeu mais de um milhão de cópias e foi traduzido para 47 línguas. O segundo volume - "became the fastest-funded publishing project". Surgiu da frustração das autoras Elena Favilli e Francesca Cavallo com a falta de modelos para as raparigas na ficção e nos filmes e com a prevalência de estereótipos sexistas que elas sentiram na pele em Silicon Valley.

 

"If it’s a challenge to be a woman in the tech industry, it’s an even bigger challenge to be a woman who speaks up sexism. Every time I do, I find mobs of colleagues ready to tell me that raising money has nothing to do with gender: it is equally hard for women and men. When I point out the staggering numbers that speak of inequality, I’m often accused of “playing the blame game” and hating men."

 

(Artigo de Elena Favilli, 2015)

 

 Elas decidiram escrever sobre mulheres reais

 

“it matters to show kids that these women are real, even though they probably won’t encounter them in the school curriculum … We’ve always wanted to celebrate work as the magic power that can transform the world.”

 

 (Francesca  Cavallo)

 

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O resultado é então um conjunto de cem mini biografias de personagens femininas acompanhadas de ilustrações. Comecemos por aí: as ilustrações foram todas feitas por mulheres. Sessenta ao todo, de várias partes do mundo (incluindo uma portuguesa: Helena Morais Soares). Acho que as diferenças no estilo dos desenhos dá um colorido especial ao livro. Todas de uma maneira ou outra são apelativas e cativantes. Difícil não desejar tê-las em posters na parede.

 

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Além de curtos os textos têm uma linguagem simples com o uso da fórmula dos contos de fadas. Isto é expectável tendo em conta o público alvo e a ideia de serem histórias que podem ser lidas ao deitar às miúdas - fornecendo uma alternativa empoderada ao tradicional fadário da princesa presa numa torre à espera de salvamento. Aqui não há disso, pelo contrário - "Era uma vez uma garota que queria ser agente secreta", "Havia uma garota que colocou o homem na lua"...Pequenos detalhes também tornam os textos apelativos - como os bolos para tubarões da Julia Child ou a universidade flutuante da Marie Curie. Só um houve um textinho ou outro que achei que ficou um furo abaixo dos restantes.

 

A diversidade de histórias é importante e penso que esta selecção de biografadas correspondeu a isso. Inclui mulheres vivas, algumas ainda bem jovens, de vários áreas de actividade. Não estão organizadas por nenhuma característica, apenas listadas por ordem alfabética. Uma boa opção. Elas tiveram (e têm) não apenas de ultrapassar os obstáculos colocados pela sociedade patriarcal mas também problemas como guerra, descriminação racial, pobreza, deficiências físicas e abuso. Algumas deram a vida a lutar contra monstros. 

 

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"We cannot allow our children to grow up in this corrupt and tyrannical regime, we have to fight against it, and I am willing to give up everything, including my life if necessary."

 

(As Irmãs Mirabal)

 

Em alguns comentários que encontrei pessoas objectavam à inclusão de certas personagens como piratas (não tenho nada contra isso, pois que nunca ouvi ninguém dizer que os rapazes não deviam ver filmes ou ler livros com piratas por eles serem um mau exemplo) ou políticas. Especialmente quem vai ler este livro na companhia de uma mini pessoa pode ter uma atitude pró-ativa a este respeito e também aproveitar para extrapolar a conversa para assuntos importantes. Seja como for, a mensagem é clara: "Dream bigger, Aim higher, fight harder (...)". Não interessa se isso envolve entrar por florestas adentro, ir pelo mar fora ou subir aos céus. Não há nenhum lugar onde uma mulher não possa ir.

 

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"Only if we understand can we care. Only if we care will we help. Only if we help shall they be saved"

 

(Jane Goodall)

 

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"You can't change conditions - just the way you deal with them"

 

(Jessica Watson)

 

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Não há nada que uma mulher não possa fazer. Na lista para leituras futuras estão: Portuguesas com M Grande (apareceu num post anterior) e Femme Magnifique: 50 Magnificent Women Who Changed The World que encontrei entretanto e que também é ilustrado.

Leituras de Janeiro

Terminei Silent Spring, famoso livro de não-ficção de 1962 em que Rachel Carson acorda os americanos para os perigos dos pesticidas e que ajudou a lançar as bases para os movimentos de conservação e ambientalistas. Um trabalho minucioso, mas compreensivo para o público e que pela sua coragem e actualidade merece estar na lista de livros essenciais. Depois passei para The Lottery And Others Stories da Shirley Jackson.

 

Normalmente o pessoal lê o Lotaria em separado por ser tão conhecido. Mas acho que se tem a ganhar lendo-o inserido na colectânea. São 26 contos interligados (sendo Lotaria o último) que falam de alienação, conformidade e violência. Mas não temam porque também fala de simpáticos vizinhos. 

 

Pelo meio houve um pequeno livro da Patti Smith (gostei) e uma novela gráfica juvenil (fofa, mas meh). Agora estou a acabar Good Night Stories For Rebel Girls. Irei falar dele com mais detalhe. Leituras seguintes: Hope in the Dark da Rebecca Solnit e talvez A Mulher da Meg Wolitzer. É basicamente o que ando a fazer, em vez de actualizar este blog como era suposto. 

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Quem Escreve Aqui

Feminista * plus size * comenta uma variedade de assuntos e acha que tem gracinha * interesse particular em livros, História, doces e recentemente em filmes * talento: saber muitas músicas da Taylor Swift de cor * alergia ao pó e a fascistas * Blogger há mais de uma década * às vezes usa vernáculo * toda a gente é bem-vinda, menos se vierem aqui promover ódio e insultar, esses comentários serão eliminados * obrigada pela visita!

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