Sobre ocupar prateleiras e cotovelos
Quando eu era uma leitora mirim uma coisa que me estimulava era ver as prateleiras da estante a ficarem ocupadas. Começava com poucos livros e ia crescendo até ficar uma fila completa. Neste momento não tenho nenhuma livre, tenho de colocar uma fila de livros à frente de outra. Aconteceu recentemente: a prateleira que ficou vaga tem agora apenas sete livrinhos mas a sensação não mudou, já estou a imaginar a fila completa. É uma prova visível e palpável de progresso.
Uma das razões porque não quero a minha vida literária resumida a uma estante virtual - e porque não me queixo de cada vez que tenho de limpar ou arrumar a física, livros no chão por todo o lado na mais linda das confusões. Os marcadores: é uma boa sensação ter um livro em cima da mesa de cabeceira e ir vendo o marcador avançar pelas páginas...O leitor moderno tem outras coisas à disposição: sabe que leu mais dez livros num ano do que noutro porque um site lhe providencia essa informação de forma apelativa; sabe o quanto já leu este ano e quanta percentagem leu do livro y no dia tal. A aplicação que uso para ler em digital tem uma área de estatísticas e dá para usar marcadores.
Não é a mesma coisa. Terminar o caderno que uso como registo de leituras e ir à livraria comprar outro, um momento solene. Tenho uns seis ou sete cadernos destes. Se calhar devia era escrever menos. Ou, também muito tecnológico, quando uma pessoa fica com os cotovelos a doer de ter estado tanto tempo a ler de barriga para baixo (a minha posição favorita) ou com o braço dormente por ter estado a ler de lado. Sinais de avanço na leitura que se podem sentir no próprio corpo.