A demanda continua. Com alguns tropeções. Desisti de A Casa Redonda (Louise Erdrich). Era um livro que me interessava por falar de questões indígenas. É preciso um esforço extra para não acabar sempre a ler autoras americanas brancas ou europeias. Mas não estava a gostar muito da história. Também desisti de um romance histórico: falava de duas mulheres que foram decisivas na guerra dos cem anos. Uma ideia excelente, mas não gostei do estilo de escrita da autora. Ela esforça-se muito para provar que não era possível Joana ouvir vozes. Vê-se logo que a autora não é portuguesa. Mas não tremam os vossos corações! Porque acabei o Norte e Sul. Tão, mas tão bom. Fez as minhas veias literárias encherem-se de felicidade. Que grande personagem feminina temos ali. Agora uma das coisas que estou a ler é a Vida Invisível de Eurídice Gusmão - romance de estreia de uma escritora chamada Martha Batalha. É um livro sobre o que podia ter sido: Eurídice podia ter sido médica ou engenheira mas acabou condenada a ser apenas uma dona de casa na Tijuca. Óptimo livro até agora, embora doa de ler. Quando começamos a ler sobre mulheres sabemos que às vezes vai doer, o estômago vai ficar embrulhado com a raiva, mas é a nossa história (e o nosso presente) e não devo me furtar a isso.
O cavalheirismo é um conceito que se baseia em ideias sexistas - toda uma vida a suspirar por um gentil príncipe para acabar nesta conclusão. Tristíssimo. Outro dia li um texto algures: uma rapariga contava o que tinha acontecido quando foi fazer um voluntariado qualquer que implicava manipular ferramentas e carregar caixotes. Assim que ela ia para pegar num materializavam-se ao seu lado dois ou três tipos prontos a tirar-lhe o peso das mãos. Fofinho. Em teoria. Ora, por acaso essa ajuda foi pedida? Se eu vir uma velinha a passar ao lado de uma estrada não vou chegar lá e puxá-la à força para atravessar sem dizer mais nada e sem perguntar antes. Notem que a rapariga ainda nem tinha pegado na caixa. Nem teve hipótese. Porque eles viram uma mulher naquela situação e pensaram de imediato que ela ia precisar de ajuda. A ideia de ser cavalheiro é baseada nisto: quero ajudar porque acho que é mais frágil do que eu. É um tipo de "ajuda" forçada e que impede a outra parte de se expressar.
Reforça da ideia do macho alfa e da fêmea submissa. Há uma conotação de superioridade na ideia de que as mulheres precisam ser “defendidas e reverenciadas” por serem mulheres. Isso me faz pensar em cavalheirismo, e a premissa do cavalheirismo é a fragilidade feminina - citando a Chimamanda de novo. O cavalheirismo tende a resvalar para a complacência: não tens capacidade mental e física para ser tratada como igual a mim. No The Yellow Paper da Charlotte Gilman a personagem está com uma forte depressão. Em nenhum momento o marido é bruto. O que ele faz é minimizar e infantilizar tudo o que a esposa diz - uma forma de manipulação machista subtil que é muito comum. Quanto mais me infantilizas menos os outros me vão levar a sério. Nos livros clássicos há sempre aquele cavalheiro que gentilmente acompanha as damas para fora da sala para elas não se aborrecerem com a "conversa de homens" que se vai seguir...A não aceitação da ajuda implica uma sanção: a rapariga depois de dizer que não precisava de ajuda foi olhada de lado pelos colegas e rotulada de "muito independente". Uma recusa destas é recusar o papel tradicional de fêmea sempre sorridente e grata por qualquer atenção.
Todos gostamos de ser valorizados pelo nosso trabalho. E de provar a nossa capacidade. Parece tão legítimo. Uma forma simples de detectar se uma situação é sexista é fazer a inversão dos papéis: posso materializar-me ao pé de um tipo e dizer-lhe que me deixe a mim levar a caixa? Ou posso parar para ajudar um senhor com uma avaria? Acho que muitos senhores neste mundo preferiam atirar-se para a estrada e ser atropelados do que passar por isso. Ser defendido por ti? Imaginem o que as pessoas iam dizer se vissem...Isto significa que ser cavalheiro só funciona numa direcção. Porque haveríamos de aceitar "ajudas" que no sentido inverso são consideradas humilhantes? É assim que se vê que a maioria das histórias tradicionais têm um fundo sexista: não haveria mal em a fêmea ficar na torre e ser salva, excepto que nunca ninguém viu o contrário acontecer. Não é tipo: eu salvo-te e tu salvas-me e depois eu salvo-te outra vez porque somos seres humanos e cometemos erros e ficamos magoados. A nossa sociedade não gosta nada desta ideia. Quando estas gentilizas só servem para disfarçar outras ideias acho que é melhor sermos nós mesmas a puxar a cadeira...
Já falei aqui que acho que ser leitor se tornou uma coisa complicada - é preciso ter conta em não sei quantos sítios, ler um determinado número de livros, fazer planos de compras e listas do que ler...Mas parece que ter um blog também se tornou uma coisa muito complicada: a net está cheia de dicas para tornar o blog mais famoso e rendoso, workshops (já vi isso em qualquer lado...Devia ser tipo pela net, mas prefiro pensar que a pessoa tinha realmente que se deslocar a um lugar físico) e até livros que ensinam a definir estratégias e a encontrar soluções. Puxa, parece que estão a falar da invasão do Iraque. Eu quando abri isto aqui pensei que era só escrever e esperar que algumas pessoas gostassem. Havia blogs que eram muito visitados - porque já tinham um bom tempo de vida e os seus donos escreviam muito bem, não porque os promovessem descaradamente ou os enchessem de publicidade. Nem sabia na altura que se podia rentabilizar um blog. Apenas era Verão e eu estava aborrecida. Será que devia fazer isso? Que grande oportunidade ando a desperdiçar...
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