O lado lunar dos livros
Estava aqui a pensar ainda nisto dos cavaleiros andantes e de como há coisas que nos deixam tristes e comecei a fazer contas para ver se já tinha um top 10 de livros que me puseram choramingas - já tinha feito antes e chegado à conclusão que sim, mas acho que talvez dez lugares já não cheguem. Não é que me envergonhe disto...Não sou um coração mole, mas como leitora às vezes encontro coisas. É giro que todos os leitores gostam de dizer coisas maravilhosas do acto ler. E é tudo verdade claro, mas é justo falar do outro lado que também existe: raiva, frustração e lágrimas. É difícil quando se gosta de uma personagem e o autor insiste em fazê-la sofrer e a nós por extenção - gritar com o livro, quem nunca? Quando são adoráveis mas um bocado tontinhas e não ficam com a pessoa que achamos que deviam...Ou quando estamos confortavelmente a odiar uma personagem e de repente: plot twist! E vários sentimentos contraditórios lutam ao mesmo tempo.
Ou quando vemos claramente que a narrativa caminha para a tragédia...Quando elas vão desta para melhor! Quatrocentas páginas para acabar assim? Não tem que ver com o livro ser mau literariamente falando: com esses não me preocupo muito, embora às vezes dê pena ver boas ideias perderem-se em execuções menos felizes. E volta e meia acontece: um livro que vos encosta à parede. Que escarnece das vossas ideias e pergunta se acreditam mesmo nisso. Os livros são banidos por uma razão - saber apreciar uma obra mesmo que não vá ao encontro do que achamos é difícil. Nem todos os livros existem para nos fazer sonhar...Há os que existem para deixar cicatrizes e para fazer o nosso interior dar cambalhotas. Há os que existem para marcar fronteiras - antes dele foi uma coisa e depois dele será outra. O Kafka (esse mestre) tinha esta ideia: A book must be the axe for the frozen sea within us. É também a ideia que sempre tive - não há proveito num livro que depois de fechado é logo esquecido, porque é lindo tal como outras centenas de livros lindos que estão nos escaparates.
Mas como estou a ficar velha já não importo tanto com a introdução de livros felizes e ridículos na lista...Além disso este tema nos blogs dá sempre chatice, pelo que decidi adoptar uma atitude zen a respeito. Há livros que são punhais disfarçados e de vez em quando temos de pegar em alguns assim se queremos agitar as células cinzentas - Vê bem leitor, o mundo não é bem como estás a pintar. Há livros que existem para nos mostrar que o mundo não é um lugar muito bonito. Em miúda costumava ler livros sobre mulheres maltratadas em sítios longínquos...Eu era um tanto mórbida e só mais tarde constatei este verdade: a curiosidade matou o gato. Mas também constatei outra: é assim que é mundo e não adianta querer viver na ignorância. Nem todos os livros são feitos de sonhos - há os que existem para nos dar pesadelos, como aliás qualquer leitor de Kafka (entre outros) sabe. E às vezes mudam a maneira de se olhar para as coisas - eu fico com arrepios cada vez que vejo uma mascara nô, aquelas japonesas: um obrigado eterno à autora que decidiu incluir na estória uma cena de tortura envolvendo este objecto. Às vezes é assim: acabamos a ler os pesadelos dos outros que passam a ser os nossos. As tuas marcas serão as minhas. Leitores - na alegria e na tristeza.