Uma questão de Classe
Enquanto escrevia o post anterior comecei a pensar...Já ninguém parece ter paciência para coisa nenhuma, nem para escrever. A quantidade de livros que se escrevem que não têm estória alguma, com diálogos básicos e personagens também básicas - e quem pode censurar os autores não é? Um bom livro vai para o lixo e um mau vende que nem pão quente...Uma pessoa tem que fazer pela vida. Acho que uma ideia base é sempre importante mesmo que seja um erótico, e estou a falar no geral não vamos voltar àquele assunto ainda por cima depois de publicar esse texto acho que fiquei com menos um seguidor (a sério gente é só um texto de opinião. Não estou nem aí para o tipo de homem que vocês querem ou não na vossa vida), tem de ter algo não? Não é três linhas de diálogo, dez páginas de marotice (ou de umas peripécias quaisquer), mais três linhas de qualquer coisa que não acrescenta nada e mais dez de marotice outra vez. Ou arranjar duas personagens faze-las viver um romance fugaz, acrescentar umas cenas no meio e depois matar uma, repetindo o processo infinitamente. Acho que cada vez mais queremos as coisas no momento e de preferência sem alterações.
Quantas vezes vocês viram o trailer de um filme no cinema e ficaram entusiasmados, mas depois desanimaram ao ver o tempo que falta até á estreia? Isto costuma acontecer-me: não quero esperar um ano, quero ver logo. Quem vai ter paciência para descrições de cinco páginas ou mais? Queremos acção imediata - imaginem romances como a Anna Karenina em que ela própria demora uma eternidade a aparecer. Ora, umas das razões porque gosto de clássicos é que alguns têm uma beleza que já não se vê hoje em dia. Quer dizer não sei se os tipos se declaravam realmente assim às eleitas, mas acho encantador de qualquer forma. Quem nunca leu as histórias em que o cavaleiro declara lealdade absoluta á Senhora? Quanta honra! Quando li os Maias, sim li todo e com gosto languidamente deitada no sofá, apaixonei-me por diversas coisas entre elas pela expressão "frufru dos vestidos"...Expressão onomatopeica em si mesma e que já não se aplica hoje. Sempre a achei meio misteriosa, faz lembrar uma mulher a escapulir-se por uma porta num corredor mal iluminado de um hotel enquanto a música continua a tocar no andar de baixo. Era uma altura em que ainda se comunicava mais com olhos do que a boca por motivos óbvios de decoro e em que metade do que era dito era em francês, enquanto agora é em inglês. Dava logo mais classe a qualquer diálogo, mesmo que fosse um tipo a perguntar a outro se a gaja y era boa. Na verdade num livro com textos dispersos do Eça que li há uns tempos havia uma carta em que ele perguntava algo parecido a um amigo...É de morrer a rir. Por falar em olhos, acho que é uma parte do corpo que está um bocado desvalorizada.
Uma troca de olhares pode mesmo substituir um capítulo inteiro de conversa. O pescoço é outra parte do corpo desvalorizada...E no entanto é bonito especialmente quando descrito de perfil. E os inícios: o início das costas e o espaço entre os seios. Nem de propósito terminei há pouco tempo um livro interessante: a estória passa-se numa espécie de bordel que só recebe velhotes que se deitam ao lado de donzelas adormecidas...O autor dedica uma boa parte das páginas a descrever o rosto das jovens desde o formato lábios até às raízes dos cabelos passando pelas unhas - é tão bonito! Ou melhor: hauntingly beautiful. Como se sabe muitos destes livros de época não têm cenas picantes o que não quer dizer que sejam isentos de erotismo: uma mulher está sentada na beira da cama a puxar a meia para cima, ligeiramente curvada, sem pressa nem remorso, num quarto no último andar de uma pensão, os estores das janelas meio corridos, os cabelos ainda desalinhados a taparem-lhe parte do rosto o e o vestido burguês ainda amachucado no chão.
Claro que isto é uma tentativa patética de descrição, mas acho que dá para perceber a ideia. Há gestos que podem ser muito sugestivos e dispensar longas e complicadas cenas de ginástica. Colocar cenas explícitas em livros como estes (há quem faça mesmo isso) só prova como a humanidade está a estupidificar. De facto, parece que estamos a desconsiderar a importância dos subterfúgios - do que não é mostrado, só sugerido, das trocas de palavras em que o mais importante é o que não é dito. É algo que afecta todo o género de livros. Às vezes mesmo na própria construção das personagens dá ideia que estamos a voltar ao tempo das cavernas. Já não temos paciência para contemplar nada. Os personagens ainda não estão enrolados? De certeza que há outro á espera onde as coisas são mais interessantes. O problema é que também acontece no real...E antes que alguém aponte: é evidente que também há bons autores por aí. Só não me apeteceu falar disso hoje.