Livros comprados e memórias...
Há uns tempos atrás escrevi um post sobre a minha preferência por livros usados. É basicamente por uma questão monetária - muitas pessoas viram-se obrigadas a desfazer-se dos seus livros ou simplesmente não querem guardar algo que já leram e não vão reler... São os efeitos da situação actual, não que antes não se vendessem todo o tipo de coisas em segunda mão, mas parece haver agora uma maior receptividade em relação a esta opção. Quer na internet quer em espaços físicos encontram-se livros a preços em conta e há uma grande variedade, não apenas clássicos mas também alguns recentes. O estado de conservação também varia: há os quase novos e aqueles mais mofados. Costumo encomendar pela net que é mais cómodo embora os atrasos me façam panicar.
Até agora todos vieram como mais ou menos atraso e com mais ou menos amolgadelas...Tenho de colocar um aviso na minha caixa: "tem encomendas? Coloque-as com gentileza". Acho que sobretudo os senhores deviam aprender o valor da gentileza nos vários contextos da vida...Também há outro motivo para gostar de livros usados, mas é do foro romântico: adoro tudo o que os envolve para além da história em si. Ás vezes encontram-se cartas lá no meio, estão assinados (melhor ainda quando têm nome e data) ou trazem outros pormenores preciosos como o preço (dez escudos, oitenta escudos...) ou do género: se quiser receber o resto da colecção escreva para o seu livreiro. Já ninguém escreve cartas e livreiros também a onde é que já vão...Gosto de juntar estes pormenores e criar histórias paralelas: que tipo de pessoa leu aquele livro e onde, será que gostou? Ás vezes nota-se que eles não foram muito lidos quando as páginas ainda estão pegadas...Não sei porque é que é antigamente o miolo dos livros vinha todo pegado obrigando a andar ali á tesourada. Faz-me pensar o quanto estes pedaços de memória estão ameaçados...Substituídos pelo frio e pelo impessoal. São camadas que vão sendo acrescentadas. Uma pessoa deixa a sua marca e depois outra e outra...Uma assinatura rabiscada no canto, uma passagem sublinhada, ou o simples facto de ter sido lido, até chegar ás nossas mãos e nós próprios acrescentamos qualquer coisa.
Então o mês passado comprei estes livrinhos: estão velhos, cheiram um bocado a mofo...E são lindos! A Mãe é de cinquenta seis o que faz dele possivelmente a coisa mais idosa aqui em casa, O Édipo não sei mas está assinado e tem a data de sessenta e um, o Processo é de setenta e seis com direito a rubrica também. Claro que para algumas pessoas não são assim tão velhos, mas vejam bem: eu nasci noventa e um portanto tudo o que seja um pouco abaixo disso é ancião para mim. Nem sei como lhes tocar...Não quero que se estraguem. A minha mãe diz que assim que acabar de os ler devia deita-los para o lixo, mas é óbvio que não vou fazer isso. Tadinhos dos meus velhinhos...Falo muito neles, mas tenham paciência. Também eu estou a ficar velhinha, acho que aliás os homens tendem a sofrer do mesmo mal que os livros: condições adversas do meio, passagem do tempo, brutalidade injustificada, esquecimento...Já estou a acabar o Processo, que é excelente tal como já estava a contar, e em breve darei mais notícias sobre os restantes. Não foram as únicas comprinhas em virtude de uma vontade súbita de ter livros novos, mas agora vou portar-me bem.