Desafio Sapo: a leitura preferida de 2013
O melhor livro do ano? Difícil…A minha mente está sempre povoada de personagens, de sítios inventados...Vivo muito no interior de mim, tanto que ás vezes me esqueço do exterior. Cada um faz o que pode para sobreviver não é? Mas regras são regras e vou escolher apenas um: Conversa n' A Catedral do Vargas Llosa. Pelo prazer, mas também pela dor...Confuso?
Primeiro um bocadinho da história: Santiago Zavala, cronista num jornal de Lima, encontra por acaso Ambrósio, o ex motorista do seu pai. Período temporal: anos cinquenta, o Peru acaba de sair de oitos anos de ditadura (1948-1956). Sentam-se num bar gorduroso chamado A Catedral e põem a conversa em dia. Não se vêem há anos e têm muito que contar e que revelar um ao outro. Ambos estão na fossa: Santiago escreve desinteressantes artigos sobre a raiva que grassa em Lima e Ambrósio mata cães á paulada no canil. É um longo diálogo que vai do passado, quando um era motorista de gente importante do governo e outro um menino rico com ideias revolucionárias, para o presente onde se encontram ambos tramados. É também o retrato de um país sufocado pela ditadura, corrupto e moralmente sujo.
Ler este livro foi como desmontar uma imensa matrioshka peruana, pois o diálogo central desdobra-se em múltiplos diálogos secundários, que se misturam, em múltiplas figuras e lugares evocadas pela memória dos nossos protagonistas. Ninguém disse que a memória era uma coisa linear...Temos o braço forte do regime um tipo pequeno e pouco expressivo que vê tudo qual grande irmão ("Queres dizer que os sacanas não têm caro de sacanas, Ambrósio"), uma empregada que sabe coisas improváveis do patrão, jovens revolucionários, jornalistas bêbedos...As respeitáveis avenidas de Lima e os bordeis. Os subúrbios e os corredores do poder, cujos os mecanismo de funcionamento são notavelmente descritos. Tudo ligado entre si, por vezes de maneiras que não nos são logo dadas logo a perceber...E o que torna o exercício da leitura ainda mais compensador. Mas lembram-se de ter falado de dor no início?
A beleza, por vezes fere...É que não há nada de romântico neste enredo: as personagens, e não só as principais, só têm duas alternativas – foderem ou ser fodidos. Um mundo cão, que me levou a pensar na nossa propria realidade: quantos de nós tal como Santiago não contemplamos as ruas do nosso país sem amor? Andamos cabisbaixos e pensamos onde está a porra da solução. Mais até que a sujidade e a corrupção o que sobressai na história é o desanimo e a total falta de esperança de todo aquele ambiente ("Não faças tanta festa - disse Carlitos - o fim do Odría é o principio, de quê?").
Surpreendeu-me a sensação de reconhecimento, que muitas coisas continuariam a ser pertinentes se o país fosse outro também começado por P. Não é a pergunta que se faz todos os dias ? Em que altura isto deu para o torto...Também sentem o verme da estagnação a comer-vos por dentro? Por isto tudo: um enredo intricado, personagens memoráveis, uma escrita magnifica recheada de ironia e humor ("o jornalismo não é uma vocação, e sim uma frustração..."), mas também pela sua actualidade, não podia ter escolhido outro livro como melhor do ano. E assim remexendo nas entranhas da desinspiração respondo á pergunta do sapinho. De maneira algo extensa, mas tinha de justificar a escolha. Melhor só lendo mesmo, este ou qualquer outro…Perder-se entre páginas.