D.Dinis, A Quem Chamaram o Lavrador
D.Dinis, A Quem Chamaram o Lavrador de Cristina Torrão
Todos nós conhecemos algo sobre D. Dinis: que foi o sexto rei de Portugal casado como Isabel De Aragão, mais tarde tornada santa, que mandou plantar o célebre pinhal de Leiria ou que fundou a primeira universidade. Talvez alguns se recordem das Flores de verde pino, ou outras cantigas daquele que também ficou conhecido como o rei-poeta. Tudo isto vem nos livros de História, juntamente com mais uns quantos factos e uma infindável lista de datas. Ora, Cristina Torrão dá-nos uma visão diferente deste monarca: ela tira-o do pedestal e atribui-lhe uma dimensão humana.
Esta é a principal qualidade do romance: a transformação das figuras históricas que todos conhecemos em pessoas, que até se assemelham a nós em certos momentos. Mais do que um rei, D.Dinis era um homem que além do governo da nação também tinha que se debater com problemas comuns…Assim, mais do que factos impessoais a autora dá especial destaque à esfera privada de D.Dinis: a relação conturbada com Isabel, tão ascética e tão pouco dada aos prazeres da vida, a relação com o irmão sempre a cobiçar-lhe o trono…Uma verdadeira trama familiar descrita com grande sensibilidade. Alguns trechos são particularmente comoventes, por exemplo, o encontro de D.Dinis, ainda criança, com o seu avô Afonso X em Toledo ou a chegada de Isabel a Trancoso com apenas doze anos, mas de cabeça erguida “como se passeasse todos os dias pelo Castelo de Trancoso”.
Isabel desce também um pouco do pedestal de Santa é retratada como uma mulher que apesar de tentar suportar tudo com penitência também sente ciúmes e se enfurece, especialmente quando vê que o filho não recebe aquilo que lhe devido…Como qualquer mãe. Muito interessante a recriação do milagre das rosas: em frente a um grupo de mendigos Isabel pede que lhe cheguem o cesto do pão, mas por engano alguém lhe dá um cesto com rosas. Talvez mais credível que D. Dinis se ter postado em frente à rainha com um ar temível perguntando o que levava ela no regaço. O facto é que não existem bons e maus, como acontece na historiografia em que tudo parece muito linear (basta ver que na nossa história temos as rainhas “boas” e as rainhas “más”, por exemplo). Neste romance temos pessoas com várias facetas que enfrentam situações mais ou menos tensas. Temos personagens com profundidade e perceber isto torna a leitura muito agradável. Isto não quer dizer que a autora descure os factos, pelo contrário…Há bastantes pormenores históricos para serem assimilados, sobretudo no que toca à política. No entanto, a leitura nunca se torna maçuda. A autora consegue intercalar bem os momentos de decisão política com os momentos de foro mais pessoal. Da mesma forma há uma perfeita intercalação das várias facetas de D. Dinis: o lado de estratega com o lado boémio…As certezas com as dúvidas. Todos estes pormenores se tornam necessários para perceber o contexto em que o rei se move…Como tentar entender uma personagem se não se conhecer o contexto em que esta se insere? Assim, além de um retrato humano, Cristina Torrão fornece também um retrato de época marcado por guerras, tratados que se quebram e voltam a fazer, caminhos diplomáticos tortuosos.
Em suma, trata-se de um romance histórico onde o lado humano é o mais valorizado e por isso nos prende às suas páginas. Não estamos perante figuras distantes que sintam coisas que nos sejam desconhecidas. Estamos perante invejas, pequenos e grandes ódios, amores, traições…E quem não tem uma família que não dê dores de cabeça, nem que seja por uma vez? É realmente gratificante ler num romance sobre a nossa história, tão rica em toda a espécie de episódios dos trágicos aos caricatos. Em especial quando se trata de um romance de grande qualidade como este.