As Viagens de Gulliver
As Viagens de Gulliver de Jonathan Swift
Edição/reimpressão: 2010
Este é mais um caso de uma obra que foi erroneamente interpretada. As inúmeras adaptações para cinema e para televisão criaram a ideia de que se trata de uma história de aventuras ou até infantil. Na verdade, As Viagens de Gulliver são uma notável sátira dos vícios humanos. A narrativa é contada por Lemuel Gulliver um azarado cidadão inglês que em todas as suas viagens vai parar a ilhas bizarras. A primeira ilha é Liliput. As pessoas aqui são minúsculas e passam a vida em guerra com a ilha vizinha chamada Blefuscu.
O motivo é que Liliputianos acham que deve partir os ovos pela extremidade pontiaguda e os outros não. Além de um tanto irritantes, os liliputianos tem leis que só funcionam na teoria e utilizam um método bastante dúbio para escolher os ministros: era esticada uma corda e quem saltasse mais alto sem cair ganhava o cargo. Por oposição a Lilipute, Brobingnag é uma ilha onde as pessoas são sensatas. E onde são também gigantes...não só as pessoas mas tudo desde as árvores até às ratazanas que têm o tamanho de galgos. Depois de ser apanhado por camponeses Gulliver passa a residir na corte onde tenta explicar ao rei o funcionamento das instituições inglesas. Mas não tem muito sucesso - "Descubro vagamente esboçada entre vós uma instituição, que originalmente podia ter sido tolerável, mas que a corrupção conspurcou (...)". Swift satiriza assim a sociedade inglesa expondo a corrupção das instituições e a sede de poder dos ministros. Os minúsculos liliputianos isso representam.
As ilhas do terceiro e quarto capítulo são menos conhecidas, mas igualmente interessantes. A Lapúcia, por exemplo, é uma ilha que tem a particularidade de voar. Os habitantes passam o tempo todo mergulhados em pensamentos a tal ponto que se esquecem do mundo exterior. Também não sentem curiosidade por nada a não ser Matemática e Música. O rei desta ilha exerce o seu domínio sobre Balnibarbi. Aqui as pessoas vivem mal, porque os sábios só pensam em questões inúteis e não em resolver os problemas da população. A descrição da sua academia é impagável: ali encontramos cientistas preocupados em encontrar uma forma de começar a construir casas pelo telhado ou tentado encontrar formas de persuadir o monarca a escolher os seus favoritos tendo em conta a virtude e sabedoria destes entre "outras quimeras impossíveis". Gulliver visita ainda uma ilha (Glubbdubribb) onde os habitantes são feiticeiros e podem chamar à vida qualquer pessoa ilustre e outra (Luggnagg) onde as pessoas envelhecem mas não morrem. Ambas as visitas desapontam-no.
Na última parte Gulliver empreende uma viagem ao país dos Houyhnms. Estes são uma raça de cavalos que representam todas as virtudes que os homens deviam ter: não conhecem o conceito de mentir, nem o conceito de guerra ou o que é a ambição. Neste país vivem também os Yahoos que representam todos os vícios que os homens têm. O autor sempre caustico é implacável aqui. Os yahoos são descritos como criaturas violentas, sem educação alguma, extremamente vorazes e ambiciosos além de sujos. Matam-se por "pedras brilhantes", e querem sempre ficar com o maior bocado para si. Isto é incompreensível para os Houyhnms que vivem em harmonia. Quando Gulliver vê as semelhanças entre si e as "bestas" fica desgostoso a tal ponto que quando regressa passa a viver isolado dos demais. O colonialismo é igualmente criticado o que é notável em pleno século XVIII (a obra foi escrita em 1726) Como o autor não se poupa nos pormenores algumas descrições são um pouco longas, de resto é uma obra dura, muitíssimo actual - “E a grande maioria dos nossos vivia miseravelmente, trabalhando de sol a sol e ganhando um mínimo, para uns tantos privilegiados viveram abastados” - e pertinente.