Alice no País das Maravilhas
Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll
Toda a gente conhece Alice: o coelho, o chapeleiro, a rainha que manda cortar a cabeça a todos....Toda a gente já viu alguma adaptação cinematográfica de Alice ou então, como eu, viu os desenhos animados. A parte que eu mais gostava era quando Alice bebia um liquido e fica minúscula, mas depois descobria que tinha deixado a chave da portinha em cima da mesa...Ora, com tantas adaptações o sentido da obra perdeu-se e acabou por se generalizar a ideia de que Alice era uma obra infantil. Mas não é. A primeira vez que peguei no livro, desisti a meio. A história é tão non-sense que chega a ser perturbadora. Uma corrida onde cada um vai na direcção que quer e onde Alice recebe de prémio um dedal que era seu, bebés que se transformam em porcos, merendas intermináveis...Efectivamente, uma consequência da infantilização da obra é que se deixa de ler nas entrelinhas. Para gostar de Alice é preciso tentar ver o que está para lá do non-sense.
Carroll escreveu uma história por trás da história principal, que continua a ser objecto de teses académicas. Há quem veja em Alice uma crítica à sociedade vitoriana e também quem ache que o facto da rapariga crescer e diminuir de tamanho representa a adolescência. Interpretações à parte vale a pena mergulhar a sério porque o cruzamento das duas histórias resulta numa obra incrivelmente rica.
Alice existiu de facto. A 4 de 1862, durante um passeio de barco pelo rio Tamisa, Charles Lutwidge Dodson [era o nome verdadeiro de Carroll], contou uma história de improviso para entreter as três irmãs Liddell (Lorina Charlotte, Edith Mary e Alice Liddell). Eram filhas de Henry George Liddell, o vice-chanceler da Universidade de Oxford. Com o objectivo de presentear Alice Liddell, Carroll passou a história para papel (Alice's Adventures Under Ground) e mais tarde acrescentou-lhe algumas cenas, dando origem ao livro que conhecemos hoje. Numa leitura mais atenta salta à vista que o livro está recheado de charadas e trocadilhos. A parte do chapeleiro e da lebre é uma delícia
"- Em que é que um corvo se parece com uma escrivaninha?
- vou adivinhar esta de certeza - disse em voz alta
- queres dizer: pensas que vais achar a resposta a esta pergunta? perguntou a lebre de Março.
- isso mesmo! respondeu Alice
- então deves dizer o que queres dizer! continuou a lebre de Março
- Eu digo o que quero dizer (...) pelo menos quero dizer o que digo (...) é a mesma coisa
- não é nada a mesma coisa !"
ou - " Alice olhou pensativa para o cogumelo, tentando adivinhar quais eram os dois lados: como era redondo parecia um problema difícil de resolver"
De referir que Carroll era matemático, e assim muitas das charadas envolvem números ou conceitos desta área. outros trocadilhos são fonéticos. Infelizmente estes perdem-se com as traduções. Alice é uma obra altamente subversiva para os padrões da época: tudo surge trocado desde o jogo de Cricket, às canções infantis até ao julgamento - "Parvoíce e estupidez! disse Alice em voz alta - essa ideia de a sentença vir primeiro. - Cala-te! - Não e não! respondeu Alice". Nenhuma criança da época vitoriana responderia deste modo....Parece-me haver assim uma clara intenção de criticar a extrema rigidez dos costumes. Este é um livro cheio de subtilezas. Perturbador e divertido. A continuação das aventuras de Alice chama-se Alice do outro lado do espelho (Through the Looking Glass and What Alice Found There)