Divagações a prepósito de uma blusa
Há dias vi um saco com roupa que já não me serve no quarto, não no meu mas no outro que está livre e onde está a minha estante. Não era coisa que me fizesse parar mas no topo vislumbrei uma blusa da qual costumava gostar muito e andei a remexer. Não devia ter mexido naquele saco. Por que antes aquela roupa servia-me, mas mais importante era um pouco mais feliz que agora. É incrível como as pessoas atribuem significado ás coisas mais simples...É a nossa condição humana creio eu. Estamos sempre a atribuir significado ás coisas e a incorpora-las na nossa experiencia pessoal. É apenas uma blusa num saco, mas para mim é mais que uma blusa igual a milhão de outras num saco. Encontrei a blusa no cimo do saco e lembrei-me de um monte de coisas. Memória é como ter céu e inferno ao mesmo tempo. Na altura tinha imensas expectativas. Era talvez um pouco tolinha, mas também não pensava muito nisso. As pessoas que pensam muito normalmente são infelizes. Acreditava em mais de seis coisas impossíveis antes do pequeno almoço. E depois comecei a cair, não sei a que ponto do trajecto. Nunca tinha pensado nisto até ver a blusa num saco. Olhei-a e pensei que dei uma grande queda. Ás vezes acontece: damos um passo em falso e quando damos por nós estamos tramados e sem hipótese de voltar atrás. Antes achava as pessoas boas, acreditava no fundo da caixa de Pandora e que a vida era bela e não havia jardineiro. Acreditava que podia ser uma gaja normal, If I get a little prettier Can I be your baby?, e creio que foi nessa altura. Uma pessoa trama-se sempre quando acredita nestas coisas. Talvez se analisar as coisas com racionalidade, veja que não há razão para queixa. Mas não sou muito racional, se fosse não estaria a escrever isto e não teria parado para ver a blusa no topo do saco. Verde, não sei por que razão...Só costumo usar roupa preta, para parecer mais magra. Mas a blusa é de um verde insultuoso. Se fosse racional diria que tragédia seria ter de atravessar o deserto para apanhar um barco para um país que não conheço. Se calhar lixei-me quando pensei que poderia atravessar o deserto onde não há pontos de referência. Uma vez num documentário vi um deserto onde fazia um calor insuportável de dia e um frio mortal á noite...Interessantes ecossistemas os desertos não? Acho que nunca teria pensado nisto se ainda usasse a tal blusa verde...Ao menos no deserto estamos sozinhos e não temos de nos mascarar. As pessoas costumam mascarar-se no Carnaval não é? Falso. As pessoas fazem isso todo o ano, mas ás vezes nem se apercebem...E talvez seja o melhor. Se todas as máscaras caíssem ninguém aguentaria...Portanto está tudo bem.