Sobre Ana Karenina
Actualizando os posts anteriores, finalmente acabei a Ana Karenina. E Gostei muito...Pensando bem como é possível ler isto e não gostar? É tão, mas tão bom... A escrita é maravilhosa, nada secante pelo contrário lê-se com bastante facilidade e se vocês não forem picuinhas como a minha pessoa que andou a adiar os capítulos finais uma data de tempo lê-se também bastante rápido. Nas opiniões que encontrei por aí na net muita gente dizia que as partes que se passam no campo e tal eram um tédio e a história nunca mais andava, mas não achei. Foram os capítulos que mais gostei, não obstante aquilo soar um pouco romantizado, camponeses felizes e não sei quê...E as personagens são maravilhosas também, no sentido da sua construção e complexidade.
Não é tipo a Madame Bovary ou o Primo Basílio do Eça, onde quase toda a gente é horrível sem apelo nem agravo, embora tenham outras características em comum...Tolstoi é muito mais benevolente para com as suas personagens o que de certa forma torna as coisas mais interessantes. Não dá para estar aqui a falar de todas, mas Ana é soberba...Parece que muitos leitores não a suportam, mas a minha impressão foi a contrária. Ela é a única personagem corajosa de todo livro e estranhamente é a mais digna. A parte do coração (não parece mas tenho um, se bem que ás vezes esqueço-me dele no frigorifico) que eu reservo para as personagens dos meus livros morria um bocadinho á medida que os capítulos iam avançando e Ana ia ficando cada vez mais isolada. Ninguém ali se preocupa realmente com ela ou sequer a tenta compreender...Também adorei a forma como as personagens contrastam umas com as outras.
E de resto a história tem de tudo: é ácida, altamente divertida, tem momentos de dramatismo e tensão e alguma ternura (aquele pedido de casamento com giz...Gente, que lindo! Toda a parte que envolve o noivado de Levine e Kitty é linda demais. Todos os seres humanos deviam ter direito a sentirem-se assim apaixonados pelo menos uma vez na vida) e claro também é uma história actual. Era actual quando foi escrita, continua hoje e assim será. Um verdadeiro clássico...Isto porque fala de questões que não estão restritas a uma época. É como Hamlet divagando sobre a morte com a caveira - as questões de sempre. E também porque a humanidade simplesmente não muda, já falei disto aqui, evoluímos no plano tecnológico e assim mas continuamos os mesmos no essencial. É por isso que é tão fácil uma pessoa de hoje identificar-se com uma personagem real (ou imaginada) que viveu há vários séculos. No caso deste livro em particular as personagens são perfeitamente reconhecíveis. A maneira como agem não é diferente da maneira como agimos nós, até as conversas são idênticas. As relações entre homens e mulheres não me parecem ter sofrido grande alteração, esta é aliás das coisas mais engraçadas na narrativa. Um diz z outro percebe x...O autor sabia esquadrinhar bem a essência do ser humano. Lamentavelmente, também não me parece que os homens tenham ficado mais espertos desde há dois séculos para cá...
A nível da própria época também é interessante (aquele pessoal caçava ursos..E eu a achar que era radical caçar perdizes!), mas há, de facto, muita coisa que pode ser transportada para os dias de hoje. Ana vivia uma sociedade sufocante que impedia a liberdade sexual e mental das mulheres e que era implacável para com as que se desviavam. O papel delas era unicamente a maternidade. Mas Ana tem a coragem de assumir o seu pecado e de virar costas a toda aquela gente mesquinha...E claro paga caro por isso, ao contrário do amante que não sofre qualquer punição e que na verdade nem tem nada a perder ao contrário dela. Por acaso há dias encontrei num blog que sigo um texto em que a autora relatava uma conversa em que alguém dizia que era horrível uma mulher trair o marido mas o contrário não era nada de mais (homens, certo?), não encontro esse post em lado nenhum, mas entretanto peguei neste livro e encontrei isto a páginas tantas: "a razão principal desta desigualdade estava [...] na diferença estabelecida pela lei e pela opinião publica entre a infidelidade da mulher e a do marido". Touché.
É um livro que fala de uma variedade de coisas sobre as quais se poderia escrever uma tese: casamento, ciúme, Deus...Eu pessoalmente acho que é sobretudo uma história sobre procurar a felicidade. Um caminho estão a ver? Ana procura a satisfação no amor ("Ana é acima de tudo uma mulher de coração"), mas para o autor as paixões são traiçoeiras e por isso o caminho dela revela-se espinhoso. Pelo contrário, Levine procura uma orientação através da prática do bem e do contacto com a natureza longe do ambiente vicioso da cidade. E dá-se bem, como prova o final que é das partes mais bonitas de toda a obra. É outra questão universal: procurar respostas para o sentido de estarmos neste mundo...Há quem passe a vida a procurar, quem acabe por conseguir e quem se perca pelo meio. No fundo é o que todas as personagens do livro estão á procura seja através do amor, da filosofia, da sociedade...E é o que nós procuramos também agora no presente.
Senti-me realmente conectada á historia. Estão a ver aquela sensação de sofrer com as personagens e de ficar contente quando elas se dão bem? A sério, foi intenso. E há tanta coisa que ainda poderia dizer...Poderia continuar a escrever eternamente. Mas ok, estão são as minhas breves impressões. Recomendo, como é obvio. Em relação a esta edição da Civilização tem alguns erros de tradução, se poderem comprar a outra que anda por ai melhor mas se não também não vão ficar a saber menos da história por isso.