Esses livros que amamos...
Jane Eyre é daqueles títulos que me vem logo á mente quando me perguntam qual o meu livro favorito (não entendo porque insiste o pessoal em fazer esta pergunta...Estão á espera de uma única resposta ou posso responder os vinte títulos que me ocorrem logo?), mas é frequente vê-lo classificado como uma obra datada e pouco relevante hoje em dia. Creio que muita gente pensa isto dos clássicos em geral o que é pena porque muitos continuam tão actuais como na altura em que foram escritos: alguma vez o diálogo de Hamlet com a caveira deixará de ser relevante? Não creio, na medida em que continuamos a ser material orgânico que um dia perece. Precisamente um dos motivos porque gosto deste livro da mais velha das Brontë é a sua actualidade e nem de propósito encontrei há pouco um artigo que vai neste sentido - 11 Lessons That 'Jane Eyre' Can Teach Every 21st Century Woman About How To Live Well.
Como disse num post anterior este ano li algumas coisas fora do que era habitual e não vou mentir: fiquei um tanto consternada por encontrar personagens femininas tão fracas - planas, sem vontade ou interesse. Como é óbvio não tenho como ler todos livros que são editados, mas foi esta a impressão com que fiquei - especialmente depois de ler alguns livros juvenis. Estes autores não têm noção do que escrevem? Mas acontece o mesmo em outros tipos de livros e até no cinema. Muitas destas personagens não chegam aos pés da Jane - decidida e forte.
“I can live alone, if self-respect, and circumstances require me so to do. I need not sell my soul to buy bliss. I have an inward treasure born with me, which can keep me alive if all extraneous delights should be withheld, or offered only at a price I cannot afford to give.”
Parece-me que muito do que se escreve é a mesma estória repetida vezes e vezes sem conta e no fundo deve ser isso o que o leitor quer - as pessoas não querem que o Nicholas Sparks comece a escrever coisas diferentes. No fundo, todos nós gostamos da repetição e do senso de segurança que isso transmite. Pior quando a mesma estória de sempre se apresenta sob um falso verniz de modernidade - Algures no passado encontrei uma notícia que dizia que alguns clássicos de época iriam ser editados com cenas de sexo pelo meio...Mas a verdade é que incluir cenas de sexo a cada três páginas ou colocar os personagens a actualizar o Instagram e o Face não faz de um livro uma cena modernaça. Jane Eyre é um bom exemplo, pois apesar de ter sido escrito em 1847 contem lições para todas as épocas e géneros - fazer valer a nossa voz quando é preciso; não se deixar abater pelas dificuldades; lutar pelo que se acredita; não abdicar das nossas convicções mesmo sob pressão dos outros - mesmo que os outros sejam pessoas que gostam de nós - em sumo sermos nós próprios. Quando vou á Fnac e quase fico soterrada em títulos como - Submissa, Rendo-me ou Pede-me o que Quiseres, lembrou-me desta personagem que não abdicou das suas convicções por um "falso felizes para sempre".
Do you think, because I am poor, obscure, plain, and little, I am soulless and heartless? You think wrong! — I have as much soul as you — and full as much heart! And if God had gifted me with some beauty and much wealth, I should have made it as hard for you to leave me, as it is now for me to leave you. I am not talking to you now through the medium of custom, conventionalities, nor even of mortal flesh: it is my spirit that addresses your spirit; just as if both had passed through the grave, and we stood at God's feet, equal — as we are!”
Também não é um típico conto da Cinderela, como já vi descrito por ai, porque nada lhe cai simplesmente no colo - ela tem de lutar e sofrer. Pobre Mr. Rochester, quão longe está de ser um príncipe...Nem a própria Jane - pequena e nada bonita. Numa altura em que se discute com fervor sobre padrões estéticos, um livro com mais de cem anos mostra de onde vem a verdadeira beleza. Há passagens extraordinárias como uma em que ela diz que as mulheres não devem ser limitadas a ficar na cozinha a fazer pudins. Em 1849 a autora criou outra personagem de carácter notável chamada Shirley, do livro com o mesmo nome - uma rapariga órfã que gere sozinha a sua fortuna e propriedade e que não recebe ordens de ninguém. Tanto uma personagem como outro casam com quem querem e quando querem.
E outras personagens poderiam ser citadas...Mas não era suposto termos evoluído um pouco desde essa altura? Ás vezes ao ler um romance histórico ou outro em que o autor apresenta personagens femininas fracas ou não inclui simplesmente determinado tipo de personagem não consigo deixar de pensar se isso se deve ao facto de a estória se passar no século XV...Ou se é a mentalidade do próprio autor que ainda está presa aí. Talvez o estilo gótico dos cenários possa estar um pouco datado, mas certamente não mensagem - se não sabem o que ler aqui fica a sugestão.