Filme: As Sufragistas
Londres, 1912. Depois de anos de revindicações e de acções pacíficas as mulheres continuam impedidas de votar e sem qualquer protecção legal. Sem mais paciência para diálogos, o movimento sufragista radicaliza-se sob a influência de Emmeline Pankhurst (no filme, Meryl Streep) conhecida hoje como uma das fundadoras do movimento sufragista britânico e da WSPU (Women's Social and Political Union). É tempo de guerra e de mandar coisas pelas ares. Na linha da frente estão mulheres de todas as classes desde burguesas até trabalhadoras. Uma delas é Maud Watts (Carey Mulligan), jovem trabalhadora numa mega lavandaria - sujeita como muitas outras a condições que parecem tiradas de um livro de Dickens, de manhã à noite com abusos constantes. E a ganhar seis vezes menos que os homens. Ela nunca achou que as coisas podiam ser diferentes, até ao dia...Assim que vi o anúncio deste filme dei gritinhos internos de pura alegria! Além disso o realizador é também uma mulher - a inglesa Sarah Gavron. Não fiquei nada desiludida. Para começar que tema podia ser mais actual?
É tão raro a cinematografia dar destaque à História feminina que só isto salta à vista como motivo para ser visto - não é admissível haver pessoas hoje a acreditarem que as mulheres nunca conquistaram ou descobriram nada. Já tive conversas deste calibre: as mulheres sempre tiverem tudo o que quiseram e isso do sufragismo foi peanuts...O que eu senti ao ler isto deve ter sido o mesmo que sentiu a Alice quando chegou a Wonderland e tentou conversar com o chapeleiro. Há tanto desconhecimento daquilo que foi uma luta feroz com sangue derramado para que hoje, por exemplo, haja pela primeira vez no mundo um governo com o mesmo número de homens e mulheres, para que no parlamento inglês esteja para ser aprovada uma lei que permite às deputadas levaram os seus filhos com elas ou para que tenhamos o direito de pedir a guarda das nossa própria prole...É uma parte da História que não pode ser apagada e é uma reflexão para o futuro - porque se as pessoas facilmente se indignam com certas questões, raramente o fazem quando o assunto são ataques aos direitos da mulher.
Não podemos ficar indignados só com a barbárie que vemos em outros países, mas também com a opressão que ainda existe dentro das nossas portas. O tema é actual e o filme resulta bastante didáctico: pode ser visto por pais e filhos (filhos e filhas entenda-se) ou por alunos em aula (havia uma professora com a turma na sessão a que fui...Achei uma óptima iniciativa, apesar do caos). Claro que é bem forte em algumas partes, mas pareceu-me realmente coeso do ponto de vista Histórico e envolvente o suficiente para quem não tem grandes conhecimentos do assunto. Mostra coisas importantes ligadas ao começo do movimento sufragista em Inglaterra: como elas não eram loucas, simplesmente usaram a técnica de atacar o fogo com o fogo depois de serem ignoradas, mas também como os homens acabam vitimas do próprio sistema injusto criado por eles - o que não quer dizer que não possam fazer parte da solução. As cenas dentro da fábrica de lavagem que aparecem volta e meia dão uma boa ideia da vida miserável de uma trabalhadora e estão bem feitas.
Gostei muito das personagens - não é difícil imaginar que aquelas mulheres realmente existiram. As prestações são dignas de nota: Carey Mulligan é excelente do principio ao fim sem quebrar mesmo nas partes mais tensas. Helena Bonham Carter tem um papel à medida (uma farmacêutica cheia de genica) e Anne-Marie Duff como a fantástica Violet Miller, trabalhadora como Maud e outro bravo soldado. Achei que havia uma boa química entre todas e isso foi precisamente uma das coisas que mais me agradou ver. Não será o filme mais imprevisível (já sabia que algumas coisas tinham de acontecer, como a tortura) ou mais tecnicamente revolucionário...O final podia ser melhor ou como ouvi uma alma adolescente dizer foi um bocado anti-climático. Podiam ter alargado mais o período Histórico, ficava mais completo. No geral achei um drama histórico sólido. Uma estória intensa e inspiradora sobre justiça e liberdade que sem dúvida merece ser vista por toda a gente.